Literatura Contemporânea em Belo Horizonte na obra de Sérgio Fantini
Arte: FMC/PBH

Literatura Contemporânea em Belo Horizonte na obra de Sérgio Fantini

Apresentação

O escritor Sérgio Fantini alcança neste ano de 2021 duas marcas importantes em sua vida. Uma é o aniversário de 60 anos, com dois terços (ou um pouco mais) dedicados à literatura e ao ofício de escrever; a outra é sua aposentadoria como servidor público da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Apesar da atuação como servidor ter sido intrinsecamente ligada ao incentivo e à promoção da leitura, escritor e funcionário se encontraram em raríssimas ocasiões durante todo esse tempo. Em respeito a essa postura, a Coluna Literária, que se ocupa inteiramente da obra do escritor, faz o possível para que não se confunda um papel com o outro.

Fantini já transitou por diversos estilos literários. Verso, prosa (sejam textos curtos ou maiores, como é o caso da Novela Diz Xis ou do livro de contos Silas, que tem muito cara de romance), além de uma feliz incursão na literatura para crianças. Mas se engana quem pensa que, em função disso, Fantini tem uma obra difusa. Toda sua escrita está marcada por um olhar político que critica a sociedade capitalista e as fissuras que ela causa no tecido social.

Ao mesmo tempo, o autor joga um pouco de luz (um flash?) pelos cantos da cidade e ilumina momentaneamente os não protagonistas na metrópole e na vida. Um casal que briga no ônibus, uma garota de programa, poetas marginais, motoristas, a população de rua, gente comum, descrita ao mesmo tempo com cuidado, crueza e ironia.

A vida, o cotidiano, as contradições das relações vão se reconstituindo no texto  com velocidade, cadência de musical (Jazz? Rock? Punk?) e humor sardônico, além de outras opções estéticas que sempre revelam o poeta no prosador. 

No prefácio de seu livro "Quarenta" e em praticamente todas as oportunidades de falar sobre o ofício de escritor, Sérgio Fantini diz que o que a literatura lhe deu de melhor foram amigos. E, para nós, Fantini merece ser celebrado pelos laços cultivados, mas, também e principalmente, por sua literatura, sempre atual e necessária.

A 2ª edição da Coluna Literária dedica-se a comentar as obras Silas e Lambe Lambe, que revelam a irreverência de sua produção escrita. Transitando por diferentes gêneros literários, seus textos retratam o cotidiano, possibilitando que as personagens sejam descobertas por leitores e leitoras de modo intimista.

Rodrigo Teixeira

Classificação: público jovem e adulto 
 
Perfil literário

Sérgio Fantini é escritor, belorizontino, nascido em 1961. Em 1979 publicou No lar dos inseguros, poema que integra Quarenta (2019), da editora Pulo: “Eu grito/Meu grito é mudo e todos somos uma só mudez/Somos mudos e encarnamos o silêncio/Um silêncio bastante parecido com a estupidez”. Entre contos, novelas e poesias, tem publicados pela editora Jovens Escribas os livros Lambe-Lambe (2016); Novella (2013); A ponto de explodir (2013) e Silas (2011) – e, também, Diz Xis, Edições Minhas (1991); e A Baleia Conceição, Formato (2011), seu primeiro livro de literatura infantil. Possui, ainda, vários textos publicados em antologias no Brasil, Peru e Portugal. Por mais de trinta anos, trabalhou na Prefeitura de Belo Horizonte, atuando em políticas públicas culturais, trajetória que seguiu paralela à carreira de escritor.

A escrita de Fantini possui um ritmo acelerado  – que, às vezes, chega a ser angustiante –, aborda afetos, encontros e desencontros, carregados de erotismo. O viés político, também característico em sua produção, mostra-se ambivalente: ácido e bem-humorado. O diálogo com as artes visuais é recorrente, para citar alguns exemplos, encontramos ilustrações de Rosa Fantini em Quarenta; de Guga Schultze em Lambe Lambe; e a ilustração de capa de Marçal Aquino em Novella. São muitas nuances de uma produção escrita arrojada para serem reveladas em poucas linhas de um perfil literário, melhor mesmo é aceitar nosso convite para conhecer os livros de Fantini.  

Daniela Figueiredo

ESCANCARADAMENTE HUMANO

Livro Silas Sérgio Fantini - Jovens Escribas, 2011 Pense num texto que te leva a lê-lo em certa velocidade, com certa dose de ironia e sarcasmo, que escancare as pequenas transgressões morais que nos permitimos apenas em pensamento. Silas, do escritor belo-horizontino Sérgio Fantini (Jovens Escribas, 2011) é assim. O personagem homônimo ao título, protagonista do livro de contos de Sérgio, é esse ser meio ranzinza, meio cínico, meio afetuoso, e muito, muito crítico em relação à vida e às pessoas, mas que tem um certo filtro social que o impede de dizer certas coisas, mas não de pensá-las. Fantini nos brinda com esse poder de acompanhar o pensamento de Silas, que, por vezes, me faz sentir representada – lembrando-me da minha própria face ranzinza, julgadora, irônica e sarcástica, e igualmente do meu filtro social, que evita que metade das pessoas que me conhecem me odeiem. 

Silas viveu muito, tem muitas experiências e opiniões, e sempre encontra nas pessoas os defeitos que o irritam e as qualidades que ele mesmo queria ter. Silas é uma personagem fantástica, mas poderia ser qualquer um de nós e é isso que nos faz querer lê-lo e relê-lo várias vezes e sempre querer de novo. A obra de Sérgio Fantini conta com poesia e prosa. Neste livro de prosa, os cinco contos nos colocam frente a frente com a vida sem filtros cor de rosa, com a velocidade acelerada do pensamento do protagonista, com a ambientação que nos coloca dentro de cena. São 128 páginas de deleite que nos fazem querer ler sem parar para saber o que irá acontecer, mas ao mesmo tempo não querer que a leitura seja tão veloz, para que não acabe tão rápido essa diversão de ler sobre alguém que é tão humano quanto nós. O texto de introdução ao conto, assim como a análise de Francisco de Moraes Mendes, que fecha o livro, completam essa deliciosa experiência. Sérgio Fantini é daqueles autores que está entre os meus favoritos e, em prosa ou poesia, nunca decepciona.

Ericka Martin

Referência: FANTINI, Sérgio. Silas. Natal (RN): Jovens Escribas, 2011. 128 p. ISBN 978-85-64380-02-8
Leia o livro "Silas" na íntegra
 
PORQUE É PRECISO VER

Lambe Lambe - Sergio Fantini

“São essas famílias que chegam do interior carregando pouca bagagem porque nunca sabem como vai ser (...); são esses mendigos sentados um no colo do outro (...); são essas velhas fumantes, fumando ainda depois de tantos anos (...); são esses habitantes de rua que se aproximam lentamente quando estamos lendo no banco do parque (...); são essas barbearias clássicas, que poderiam servir de cenário a crônicas antigas(...)". São esses cinquenta textos em prosa, mais as minibiografias e também as ilustrações de Guga Schultze.” É esse Lambe Lambe, de Sérgio Fantini.

É essa escrita precisa, nem amarga, nem doce. E é esse momento, que nos dilacera, angustia, quase mata. Mata! Mais de quatrocentas e cinquenta mil pessoas, enquanto escrevo, com um nó na garganta. Um nó que se desata em choro só para depois estancar novamente a água que escorre no rosto, e não serve para beber. É água de sede, sede de justiça.

Lendo, colocamo-nos solidariamente ao lado do lambe-lambe, tão desvalorizado em sua profissão. Mas, ilusão nossa, empáfia: ele é o narrador e ele está muito melhor do que todos nós, porque enxerga e dá a ver o que não nos dávamos ao trabalho de olhar. A cidade. Nossa cidade. Nossa miséria e o quanto nos perdemos na desumanidade nossa de todo dia. Na desdemocratização em curso. Somos nós, os teleguiados, telecúmplices, teleomissos, teleconiventes, telenfraquecidos, teleamebas. Não! Amebas, vírus não traem os seus.

Lambe Lambe é literatura e artes visuais; é literatura e direitos humanos; é literatura sendo literatura. Não é cura, mas dá tratamento. E que nos tire da paralisia, afie nossos instrumentos, porque a luta será ainda mais árdua. Acreditem.

Érica Lima

Referência: FANTINI, Sérgio. Lambe Lambe. Natal: Jovens Escribas, 2016. 212 p. ISBN 9788555640179.
Leia o livro "Lambe Lambe" na íntegra.

 

*As resenhas assinadas refletem tão somente as visões dos autores das mesmas.