Retratistas do Morro
Foto: Divulgação

Exposição "Retratistas do Morro"

O projeto "Retratistas do Morro" reúne imagens pertencentes à história recente da fotografia brasileira, produzidas pelos fotógrafos João Mendes e Afonso Pimenta, que trabalham, desde o final da década de 1960, registrando o cotidiano dos moradores da Comunidade do Aglomerado da Serra, segunda maior favela do país, localizada na cidade de Belo Horizonte.

A comunidade em que moram mais de 70.000 pessoas é resultado da expansão populacional e territorial de vilas menores que foram surgindo na encosta da Serra do Curral, a partir de 1914, ainda como solução de moradia para muitas famílias que vieram do interior colaborar na construção da capital mineira, ou procurar emprego, e não tinham onde morar.

As fotografias de João e Afonso nos revelam outras versões da história das metrópoles e das populações de favela no Brasil, contadas a partir das experiências e visões de mundo de seus próprios moradores. Representam suas trajetórias de vida, lutas e conquistas.

Em meio a gestos fotográficos quase despretensiosos, voltados para o registro de uma realidade familiar e seus movimentos cotidianos, acompanhando intimamente o acontecimento de casamentos, nascimentos, batizados, jogos de futebol, velórios, formaturas e bailes, eles construíram uma iconografia inédita, das poucas ainda preservadas, em que é possível acessar mudanças nos cenários social, político, econômico e cultural ocorridas nas favelas do Brasil ao longo dos últimos quase 50 anos. 

A obra desses retratistas tradicionais está integralmente dedicada ao que é importante ao Outro. Apesar das características formais, não é uma obra documental, mas biográfica. Trabalham onde vivem. Estão entre seus pares, amigos e parentes. 

Diante da desigualdade simbólica – ou de representação pela visualidade – tão acentuada quanto desigualdade a social, como a que conhecemos em nosso país, encontraram espaço para registrar as memórias e vivências afetivas de toda uma população que teve sua imagem invisibilizada por séculos. Apresentam em suas fotografias uma realidade em que todos e todas temos o igual direito de existir e manifestar nossas subjetividades. 

Guilherme Cunha

Idealizador e Coordenador do Projeto Retratistas do Morro

 

Sobre o Projeto

O projeto “Retratistas do Morro” tem por objetivo contribuir para a construção de uma narrativa histórica das imagens brasileiras, conectadas do ponto de vista de fotógrafos tradicionais que atuaram em vilas, favelas e comunidades urbanas do país, a partir da metade do século XX. Atualmente, ele é dedicado à preservação, catalogação, digitalização, restauração das fotografias e resgate das histórias de vida dos mestres retratistas João Mendes e Afonso Pimenta que, desde o final da década de 1960, documentam o cotidiano dos moradores do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte.

O projeto é idealizado e coordenado por Guilherme Cunha, artista visual, pesquisador e empreendedor cultural formado em Artes Plásticas pela Escola Guignard (UEMG) e Pittsate University (KS/EUA). Suas produções e pesquisas transitam por diferentes meios, atuando na interseção entre as artes visuais com outras formas de conhecimento.

Biografia dos Fotógrafos

Afonso Pimenta

São Pedro do Suaçuí, Minas Gerais – 1954

Em 1970, o jovem Afonso Adriano saiu do interior de São Pedro de Suaçuí para ajudar sua madrinha com as despesas da casa na favela do Cafezal, uma das vilas que formam a Comunidade do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. 

Por falta de emprego, passou uma temporada catando e vendendo esterco até ser contratado como gari pela prefeitura. A fotografia chegou a sua vida por necessidade. Como assistente do fotógrafo João Mendes, enquanto lavava as imagens já reveladas, ia aprendendo seu futuro ofício.  

Seu percurso como fotógrafo profissional começa a se consolidar quando passou a registrar os bailes de soul da Comunidade da Serra, a convite de Misael Avelino dos Santos, um dos fundadores da Rádio Favela e organizador dos bailes. 

Ao longo da década de 80, acompanhou os movimentos culturais da música e da dança que traziam a afirmação e força da identidade cultural negra em BH. Fotografou os concursos de dublagem, os salões, os dançarinos e grupos de amigos, além de ter vivido muito de perto os bastidores do movimento "Black" que surgia na periferia.

Esse foi para ele o momento em que mais trabalhou com fotografia, uma vez que o registro dos bailes era uma forma divulgar seu nome entre os moradores da comunidade. Começou então a trabalhar, como ele mesmo define, “no corpo a corpo” – indo ao encontro das pessoas e caminhando pelo morro. Há quase 40 anos registra o cotidiano dos moradores e os eventos sociais que ali acontecem, como casamentos, batizados, aniversários, festas de quinze anos, velórios etc. 

 

João Mendes

Iapú, Minas Gerais – 1951

Nascido em Iapú, município de Inhapim, comarca de Caratinga, Minas Gerais, João Mendes trabalhou na roça com os pais desde os 8 anos de idade. Em 1963, mudou-se para Ipatinga com a família em busca de uma nova vida. Depois de passar por vários empregos e vender picolés de porta em porta, aos 15 anos, João inicia sua trajetória na fotografia. Ainda nessa época foi contratado pelo delegado de polícia da cidade para ser o fotógrafo oficial da perícia. Ente os deveres em casa e na escola, retratava cenas de crimes e casos forenses.

No dia 02 de agosto de 1973, João Mendes se estabelece como um dos primeiros fotógrafos profissionais no bairro Serra, em Belo Horizonte, onde vem trabalhando há 45 anos. Apesar disso, suas primeiras imagens da região datam de 1968. Desde então, sua loja, Foto Mendes, fica no mesmo local e até hoje é uma referência; por lá já foram fotografadas quatro gerações de moradores do bairro.

As fotografias em preto e branco apresentadas na exposição foram feitas no período entre 1975 e 1979, com uma câmera Yashica Mat, de médio formato, retratando moradores da Comunidade do Aglomerado da Serra. 

Estas imagens são retratos 3x4 para documentos, principalmente para carteira de identidade, e fotos postais enviadas por aqueles que haviam migrado para a capital mineira e há muito tempo não podiam visitar sua cidade natal a parentes distantes que permaneciam no interior. 

No acervo de João Mendes também pode ser encontrada uma significativa coleção de fotografias de "becas" ou formaturas, em que as crianças da Comunidade da Serra, estudantes da rede pública de ensino, foram fotografadas celebrando a passagem de diferentes períodos escolares. 

 

Ficha Técnica

Idealização e Coordenação - Guilherme Cunha

Produção Local - Kelly Cristina da Silva

Consultoria Técnica - Artmosphere

Digitalização - André Oliveira e Douglas Mendonça

Restauração e Tratamento de Imagens - Flávia Peluzzo, Guilherme Cunha, Ricardo Baroni e Geraldo Peixoto

Conservação de Acervo Fotográfico/Bolsistas - Lara Prado Mariana Oliveira, Tiago Borges e André Oliveira

Entrevistas - Ana Paula Orlandi, Carina Santos e Kelly Cristina da Silva

Administrativo - Sinergia Projetos Culturais