14ª Coluna Literária - Para cada jovem, um livro
Foto: Arte/FMCBH

14ª Coluna Literária - Para cada jovem, um livro

Apresentação

Nesta edição da Coluna Literária, apresentamos livros que receberam o selo de literatura infantojuvenil pelo mercado editorial. A primeira resenha é o clássico “O menino do dedo verde”, de Maurice Druon, editora José Olympio, publicado pela primeira vez em 1957. A segunda resenha é "A extraordinária jornada de Edward Tulane”, de Kate DiCamillo, editora WMF Martins Fontes e o perfil literário é de João Carlos Marinho. Podemos pensar que existem algumas características do texto em si, temáticas ou mesmo do projeto gráfico que levam a esta classificação.

Entretanto, também podemos refletir sobre o título desta edição – Para cada jovem um livro – e questionar: todo jovem lê literatura juvenil? De pronto, podemos considerar que não é necessariamente a faixa etária que define qual literatura será lida por este ou aquele leitor ou leitora, mas podemos afirmar que dentro desta categorização existem bons livros que valem a pena serem destacados. Quem escolhe o que deseja ler com base em suas experiências de leitura é cada leitor e leitora. A nós, mediadores de leitura, cabe acolher experiências leitoras singulares e, ao mesmo tempo,  incentivar a ampliação desses repertórios nas diversas possibilidades que o universo  literário nos oferece.

Daniela Figueiredo
Gerência de Bibliotecas Promoção da Leitura e Escrita

Resenha: "O menino do dedo verde", de Maurice Druon 

Leitores CCUC - Diego Dávila - Menino do dedo verde‘’O Menino do dedo verde’’, escrito por Maurice Druon, editora José Olympio, publicado no Brasil pela primeira vez em 1957, traduzido por Dom Marcos Barbosa (também célebre por sua tradução do “Pequeno Príncipe”, outra obra essencial para a literatura). No livro, o personagem Tistu é um garoto sem lugar no mundo dos adultos. Precisa ter aulas, porque é distraído, mas a escola o repele. Precisa de aulas ‘’práticas’’ pois tem de ser um adulto utilitário a um mundo que necessita de ordem.

O livro de Maurice Druon criou personagens imortais que são um espelho de um mundo em que natureza e cidade,  lucidez e insanidade, ternura e violência se embatem num discurso pacifista que mostra o quão distante esses polos se distanciam, se aproximam  e se chocam. O personagem  do menino encarna todas as crianças numa só, e mais ainda: crianças que desejam um outro mundo que, se não era o melhor na época da publicação do livro,  continua  hostil e pouco afeito  aos questionamentos (necessários) dos pequenos. Um verdadeiro libelo pacifista, não panfletário e com todo o poder que as palavras têm para criar novas inquietações. 

A conexão do menino com as coisas que o rodeiam passa a ser imediata no momento em que se descobre como um ser no mundo e não numa relação com o universo dos adultos que o querem muito mais como ‘’coisa‘’ numa linha de produção em que a guerra é o produto mais lucrativo. O rompimento com esse mundo se dá com a presença do jardineiro Bigode que o ajuda a tomar consciência de si. Ainda assim, não se pode lutar contra a morte que paradoxalmente faz viver todas as esperanças no fim da narrativa. Um livro tão necessário quanto flores nos canhões. 

Diego Dávila
Biblioteca do Centro Cultural Usina de Cultura

 

Resenha "A extraordinária jornada de Edward Tulane", de Kate Dicamillo 

Leitores BPIJBH - Rodrigo Teixeira - A extraordinária jornada de Edward Tulane“A Extraordinária Jornada de Edward Tulane”, de Kate DiCamillo, é um desses muitos títulos que deixam a gente na dúvida sobre como classificar. O apelo do tema, a delicadeza da narrativa, a forma como a história é conduzida, nos fazem pensar que estamos diante de um livro para crianças. No entanto, a quantidade de texto, as poucas ilustrações e a complexidade emocional que a autora traz para sua história mostram que esse é um livro que não pertence a um só lugar, que não se limita a conversar  apenas com um público ou uma faixa etária.

Talvez o que haja de "infantil" no livro esteja ali para estabelecer o vínculo com a criança que fomos. Negando o estereótipo do jovem leitor que rejeita essa criança e seu mundo infantil e superado, DiCamillo entrega uma obra que nos faz olhar com seriedade e respeito para nosso eu criança.

O protagonista, Edward Tulane,  é um coelho de porcelana que gosta de se vestir com ternos finos e sente um franco desprezo por sentimentos ligados ao afeto. Carinho, amor, cumplicidade, nada disso tem muita importância para ele. O amor de Abilene, sua dona, só serve para que Edward se sinta superior, digno de ser adorado. A partir desse mote o livro apresenta uma série de situações, ora infelizes e trágicas, ora deliciosas e cheias de ternura, que servem para descortinar diante do coelho a multiplicidade e a profundidade dos sentimentos humanos.

Explorar o que sente Edward Tulane e os muitos personagens que o enredo apresenta a ele (e a nós, leitores) é também uma forma de explorar nossos sentimentos e memórias. O livro foge aos clichês do que convencionou-se entender por literatura juvenil ou infantojuvenil. Ainda que seja feito de surpresas e reviravoltas, seus méritos estão em distender o tempo, em não explicar, em não entregar com velocidade e facilidade seus significados, em resumo, é um livro que respeita e confia na inteligência do leitor.  A autora conduz a história sem cair nos chavões e nas armadilhas comuns desse tipo de texto, como as lições de moral rasas, ou o excesso de sentimentalismo. É um livro potente, desses que nos fazem sair da leitura muito diferentes de como entramos. 

Rodrigo Teixeira
Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte

 

Perfil Literário - João Carlos Marinho 

João Carlos Marinho - Beto FurquimComo se escolhe o destaque para um perfil literário, numa edição como esta, da Coluna Literária, que aborda a Literatura Juvenil? Com o coração e com a memória, eu diria, e incorreria no delicioso senso comum, que tanto nos agrada quanto desagrada. Na mesma proporção? Aquilo que toca o coração só pode ser o que fica na memória? “O Gênio do Crime”, do qual não me esqueço. Por quê? O crime de não sair da minha memória. Talvez o de me trair numa leitura atual? Já se vão longos anos desde que o crime foi perpetrado: li o livro de João Carlos Marinho e dele não me esqueci. E é ele que retorna agora nessa missão.

E quão instigante é pensar a Literatura dita Juvenil. Juvenil e Jovem não se adequam, e de forma violenta. Cada vez mais. Cada vez menos. É o que penso. Em termos atuais fica cada vez mais evidente o apelo desse termo, Juvenil, a uma terceira, quarta infância? Quinta, sexta, quantas houver. Mas Jovem, aponta para a vida adulta que se inicia e, principalmente, num país como o nosso, para um adulto sem direitos, sem apoio, sem futuro. E sem presente? Há os jovens abastados, claro. E a desigualdade social. E os racismos. Mas vejo que vou me perdendo, encontrando, assim, pelo caminho, outros crimes.

De volta ao Marinho, o João Carlos, nasceu no Rio de Janeiro, em 25 de setembro de 1935. Formou-se em Direito e trabalhou na área, até que pôde viver de direitos autorais. Faleceu em 2019. Em 1969, quando ainda advogava, publicou o livro "O Gênio do Crime", um clássico da literatura infantil (juvenil?) brasileira, que superou a marca das 70 edições. Surgiram outros livros da “Turma do Gordo”, totalizando um conjunto de 13 títulos. Por "Sangue Fresco", o autor recebeu o Prêmio Jabuti e o Grande Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). O livro "Berenice Detetive" foi agraciado com o Prêmio Mercedes-Benz, um dos mais importantes destinados a obras infantojuvenis no Brasil. Além disso, "O Gênio do Crime" virou filme, em 1973, dirigido por Tito Teijido, com o título "O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime". Marinho escreveu, ainda, quatro livros para adultos.

Mas o que dizer de sua obra mais famosa? Infantil? Juvenil? Infantojuvenil? O que fica? O que nos escapa? Talvez, com o coração e a memória, lembrarmo-nos de que há uma idade na qual não nos sentimos nem crianças, nem adultos. Nesse momento especial (como todos da vida?), álbuns de figurinhas e crimes de falsificação podem se encontrar numa escrita, como a de Marinho, que nos recebe onde estamos e nos projeta para o futuro. É como se o autor encontrasse o devido tom, nem pueril, nem rebuscado, que nos faz sentirmo-nos leitores de algo instigante e acolhedor. Além, é claro, de criar personagens que extrapolam a própria obra, como o Gordo (ou Bolacha). Fica o convite para, sem defini-lo, ler João Carlos Marinho e nos reencontrarmos com esse momento da vida, que nenhuma classificação etária exaure, mas nos desafia a tentar entender. Ou para apenas nos deliciarmos. A escolha é de cada um, de cada uma.

Érica Lima
Biblioteca do Centro Cultural Salgado Filho

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