Pampulha TM - Mostra Fayga Ostrower

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:: MOSTRA FAYGA OSTROWER

 

Durante a celebração do centenário da artista, comemorado em 2020, o Instituto Fayga Ostrower deu início a um importante programa de doação de obras para museus públicos de todo Brasil. Essa exposição virtual, organizada pelo Museu de Arte da Pampulha, apresenta parte do conjunto de obras doadas para o museu.

 

Fayga Ostrower em seu ateliê - 1958

 

Fayga Ostrower chega ao Brasil aos treze anos de idade, em 1943, quando desembarca com a família no Rio de Janeiro. Nascida em Lodz, Polônia, a família migra para a Alemanha em 1921. No ano de 1933, seu pai foge para a Bélgica, temeroso pela ascensão do nazismo na Alemanha e é acompanhado logo depois pelos outros membros da família. Na Bélgica, ficam retirados ilegalmente até que conseguem o visto para o Brasil. Essa é a saga que conduziu Fayga ao país onde desenvolveria toda a sua carreira como gravadora, influenciando vários artistas.

Em 1939, Fayga Ostrower frequenta aulas de desenho na Lapa, após o horário de trabalho em um escritório. Com Axl Leskoschek, gravador austríaco radicado no Brasil que a artista conheceu em um grupo de refugiados, inicia estudos de gravura, desenho e pintura. Em 1946, inicia o Curso de Desenho de Propaganda em Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas, no qual lecionam Tomás Santa Rosa, Carlos Oswald, Hanna Levy-Deinhard e Axl Leskoschek.

Durante os anos 1940, Ostrower apresenta uma variedade de trabalhos de temática social, abraçando a estratégia expressionista. Já notava-se, na gravura brasileira, desde os anos de 1930, uma influência do expressionismo e da obra de Käte Kollwitz, com sua forte crítica social. Segundo a artista, foi entre grupos de refugiados que se dirigiam ao Rio de Janeiro após a segunda Guerra Mundial que ela conheceu a gravadora alemã. A vida popular consta em toda a atividade artística de Fayga dez anos depois, englobando retratos de crianças dos subúrbios do Rio de Janeiro, paisagens, ilustrações de livros e revistas, cenas de mulheres, entre o trabalho de lavadeiras e a maternidade. É expressiva a quantidade de cenas de mulheres amamentando ou mães com crianças no colo, como nas gravuras Favela (1949), Mãe e filha (1948), Maternidade (1947) e Mulher e criança (1948). Em relato, a artista afirma que sua identificação com o expressionismo de origem alemã, fará parte de seus trabalhos até o ano de 1951.

Nesse momento, Fayga também descobrirá Cèzanne e o cubismo, que a fizeram refletir sobre o espaço e deram-lhe novas preocupações de caráter formal. E quais seriam essas preocupações, senão as relações estruturais da obra e o dinamismo interno à imagem? Diante dos trabalhos realizados, a artista começará a avaliar o aspecto abstrato das figuras que fazia, impondo-se o caminho da abstração que jamais iria abandonar. Em relação aos estudos para estampas, iniciados em 1951 num projeto em parceria com Decio Vieira, a artista dirá que o motivo isolado foi sendo deixado à margem, para dar lugar aos ritmos, aplicados a toda a extensão do tecido. Esses ritmos teriam o papel de fundir os motivos, para que não se tornassem ornamentos isolados.

As preocupações de Fayga Ostrower irão, a partir desse momento, se concentrar nos problemas da luz, que envolvem transparência e opacidade da cor, dos planos no espaço e suas relações com as formas, para configurar o equilíbrio estrutural da obra.

 

FAYGA OSTROWER NO CONTEXTO DO ABSTRACIONISMO BRASILEIRO

7011, xilogravura sobre papel, 1970, 46 x 86,5 cm

 

Fayga Ostrower declarou que sua obra se tornou abstrata a partir de 1953. Por vezes, seu trabalho é referido como construções de um mundo interior ou arquiteturas. Em outros momentos, a crítica se refere ao seu domínio técnico como um instrumental a serviço de seus “dons expressivos”1. O uso da palavra construção poderia nos fazer pensar no caráter construtivo da arte, relacionado a um contexto de vanguardas estéticas modernistas, ligadas ao construtivismo russo e suas premissas abstratas. O vocabulário construtivo, entretanto, tem seus próprios caminhos no Brasil e Ostrower dificilmente poderia ser associada à tendência construtiva brasileira e ao movimento concretista. Por outro lado, o “caráter expressivo” de suas gravuras a desloca do meio construtivo para um caminho que a abstração tomou com Kandisnky e outros, preconizando que as formas teriam de estar a serviço da expressão e da emoção.

O crítico Antonio Bento aponta para duas tendências divergentes no campo da abstração gráfica:

“Fayga Ostrower, que teve alguma influência de Hayter2, em cujo atelier ela se aperfeiçoou, em 1955, nos Estados Unidos, e a do grupo formado no Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro ou que estudou em Paris com Friedlaender. Enquanto Fayga confere prioridade à expressão e ao lirismo, os outros procuram dar preeminência aos valores técnicos, à matéria e à virtuosidade3.”

Num âmbito mais amplo da arte brasileira, é preciso entender o que ocorria nesses anos de 1950. Foi em primeiro de março de 1951 que o público veio ter contato com as obras de Max Bill, as quais causaram polêmica, conforme assinala Aracy Amaral4. Esta exposição teria sido um marco para o caminho da arte concreta brasileira que se desdobraria nos anos seguintes. A tradição do projeto construtivo brasileiro, então ligada a nomes como Abraham Palatnik, Ivan Serpa, Almir Mavignier e Mary Vieira, tinham estreita afinidade com a arte construtiva europeia, embora com particularidades que as diferenciam e por vezes afastam.

Mas antes que a abstração fosse aceita como uma tendência dominante, o debate em torno de sua concretização foi extenso. A tradição de uma arte figurativa de cunho social, cuja adesão dos primeiros modernistas marcou a época, trazia certas dificuldades de incorporação ao abstracionismo, criticado por não ser capaz de afirmar os valores da arte nacional e ameaçar “ a consolidação da imagem de um país ainda muito incerto de si mesmo – pintar era ajudar a descobri-lo e edificar em parcelas uma nação diminuída pelo complexo colonial”5.

Paralelamente a esses acontecimentos nos anos 50 e 60, Fayga Ostrower propunha um caminho singular, afastando-se tanto das lições do mestre Oswaldo Goeldi (1895-1961), quanto das abordagens concretistas que se estabeleciam.

Escrevendo em 1968, Antonio Bento dirá que o “surto vitorioso da arte gráfica brasileira” se devia à contribuição de Fayga Ostrower. Uma geração de artistas iria se beneficiar de sua trajetória ou influência, como Anna Bella Geiger e Edith Behring. Mario Pedrosa se referia ao trabalho de Ostrower como uma gravura de inspiração tachista, caracterizando-a pela inspiração lírica e informal, sem vinculá-la com estratégias geométricas de outros abstracionistas. Nas palavras de Mario Barata,

“No caso de Fayga as estruturas e a cor se ligavam espontânea e mais diretamente ao emotivo de certos estados de equilíbrio e tensão humanos. A linha desenhada, que ela visceralmente apreciava e que não deixou de permanecer em alguns gravadores, não desapareceu de sua obra. Pelo contrário, foi uma constante desligada de funções de contorno e se entrosando de maneira especial com a preocupação, crescentemente dominante, da procura da cor, na sua obra. O ‘informal’ , a princípio repudiado pela artista, veio finalmente abrir caminho para maiores liberdades, embora dentro de uma estruturação, por simplificada que fosse, nunca abandonada.6

Fayga Ostrower teve grande importância no contexto da gravura brasileira, tanto pelo uso que fez da cor em xilogravura e em outas técnicas, quanto pela expansão para o grande formato, além do uso das transparências. É digno de nota o trabalho realizado para o Itamaraty, no ano de 1968, uma obra formada por sete painéis com estampas xilográficas cuja medida total é de 1,40 por 2,80 metros. A obra, formada pela predominância das transparências, revela uma profundidade raramente vista no campo das artes gráficas.

Ostrower vem a Belo Horizonte inúmeras vezes. Participa de exposições individuais na Galeria Guignard, em 1964, 1975 e 1980 e em exposições coletivas, no Museu de Arte da Pampulha, em 1958 e 1961. Em 1970 participa de um ciclo de palestras na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Ministrou, também, no ano de 1968, o curso Princípios básicos da linguagem visual – Estilos na Arte, na Escola de Belas Artes, também na UFMG.

Fayga Ostrower e o Abstracionismo

Água-tinta, buril e ponta seca sobre papel, 1955 - 62,5 x 45,5 cm
Água-tinta, buril e ponta seca sobre papel, 1955 - 62,5 x 45,5 cm
Água-tinta, buril e ponta seca sobre papel, 1955 - 62,5 x 45,5 cm
Xilogravura sobre papel, 1958 - 84,5 x 29,7 cm
Litografia sobre papel, 1985 - 66 x 42 cm
Litografia sobre papel, 1985 - 66 x 42 cm
Litografia sobre papel, 1985 - 66 x 42 cm
Litografia sobre papel, 1983 - 67,5 x 42 cm
Litografia sobre papel, 1980 - 59,5 x 39,9 cm
Litografia sobre papel, 1980 - 59,5 x 39,9 cm
Litografia sobre papel, 1980 - 59,5 x 39,9 cm
Xilogravura sobre papel, 1992 - 52 x 76,9 cm
Xilogravura sobre papel, 1992 - 52 x 76,9 cm
Litografia sobre papel, 1980 - 59,8 x 39,7 cm
Litografia sobre papel, 1980 - 59,8 x 39,7 cm
Litografia sobre papel, 1980 - 59,8 x 39,7 cm
Xilogravura sobre papel, 1970 - 86,5 x 46
Xilogravura sobre papel, 1970 - 86,5 x 46
Serigrafia, 1973 - 29 x 21 cm
Litografia sobre papel, 1989 - 39,5 x 60 cm
Serigrafia sobre papel, 2001 - 58 x 90,5 cm
Serigrafia sobre papel, 2001 - 58 x 90,5 cm
Serigrafia sobre papel, 2001 - 52 x 70 cm
Serigrafia sobre papel, 2011 - 50 x 69,5 cm.
Serigrafia sobre papel, 1998 - 40x60 cm
Xilogravura sobre papel, 1992 - 51 x 78 cm
Xilogravura sobre papel, 1992 - 51 x 78 cm
Serigrafia sobre papel, 1984 - 42 x 58 cm.
Serigrafia, 1974 - 36,5 x 51 cm.
Serigrafia, 1972 - 27 x 47 cm
Serigrafia, 1973 - 18 x 26,5cm
Serigrafia, 1974 - 37 x 51 cm

FAYGA OSTROWER E A LITERATURA

Fayga Ostrower - 1956 - Arquivo Nacional

“Deve ter sido em livros que vi as
primeiras gravuras e comecei a me
interessar pelo processo. Comprei alguns
livros técnicos para aprender a
xilogravura, não sabia lidar com a
madeira, por isso, comprei umas
chapinhas de linóleo […] comecei a
realizar algumas gravurinhas. Para
impressão usava guache e nanquim… Por
volta de 1943 conheci Axl Lescoscheck,
num grupo de refugiados. […] acabara de
receber uma proposta para ilustrar várias
obras de Dostoiévski. Foi ele que me
ensinou os rudimentos da gravura[…]“
(OSTROWER. Palestra no Paço Imperial, 1988)

 

Fayga Ostrower ilustrou livros de importantes autores, tanto em sua fase figurativa, quanto na fase abstrata. Algumas gravuras que fazem parte dessa mostra exemplificam a relação entre sua obra gráfica e a literatura, e dão a ver como a artista percebia a própria existência da gravura como parte importante do universo dos livros.

Durante o ano de 1945, a artista realiza uma série de ilustrações para o livro Fontamara, de Ignazio Silone, que jamais foram publicadas. O livro de Silone foi proibido de circular na Itália durante os anos do fascismo e, no Brasil, foi publicado somente em 1935, dois anos após sua primeira edição. Em carta ao autor, o embaixador italiano no Brasil, Mario Augusto Martini, comunica sua admiração pelo livro e conta que Fayga Ostrower havia feito quinze gravuras a partir da obra.

Fayga realiza também, em 1948, linoleogravuras para uma edição especial de O cortiço, importante obra de Aluísio de Azevedo e, posteriormente, ilustra o livro Os Anjos e os Demônios de Deus, de Joaquim Cardozo, escritor e engenheiro que realizou importantes obras ao lado de Oscar Niemeyer, inclusive no conjunto Arquitetônico da Pampulha.

Fayga Ostrower e a Literatura

Agua-forte e água-tinta ao lavis sobre papel, 1950 - 19,5 X 14cm
Agua-forte e água-tinta ao lavis sobre papel, 1950 - 19,5 X 14cm
Agua-forte e água-tinta ao lavis sobre papel, 1950 - 19,5 X 14cm
Linóleo, 1945 - 9,7 X 7,5cm
Linóleo, 1945 - 10 X 15cm
Linóleo, 1945 - 10,2 X 15,2cm
Linóleo, 1944 - 7,8 X 8,8 cm
Linóleo, 1944 - 11 X 15 cm
Linóleo, 1944 - 15,7 X 11 cm

 

O Museu de Arte da Pampulha recebeu mais um importante conjunto de gravuras da artista Fayga Ostrower. A doação, iniciativa do Instituto Fayga Ostrower, visa à comemoração de seu centenário de nascimento, em 2021. O programa de doações idealizado pelo instituto direcionou suas ações para museus e universidades públicos, com o fim de garantir acesso democrático às obras da gravadora.

 

HORTÊNCIA ABREU

CURADORIA E TEXTO 
Hortência Abreu (1989, Belo Horizonte) é artista e pesquisadora. É doutoranda em artes na Universidade Federal de Minas Gerais. Atuou como assistente de curadoria, na exposição Fabricação Própria (Sesc Pompeia), da artista Lotus Lobo. Realizou exposições, como “Só à distância mostra-se os dentes” (Programa de exposições 2018 – Centro Cultural de São Paulo. São Paulo, SP); Exposição “Tudo é tangente” (Memorial Minas Gerais Vale. Belo Horizonte, MG. Abril, 2017); Mostra curto circuito – Conexões imprevistas (Sesc Palladium, Belo Horizonte, MG. Maio, 2016); Exposição “Ater-se à terra” (Sesc Palladium, Belo Horizonte, MG. Abril / Junho, 2015). Contribuiu com textos críticos para o catálogo e guia da 32ª Bienal de São Paulo, 2016 e para o catálogo do Bolsa Pampulha (2018/2019), do Museu de Arte da Pampulha de Belo Horizonte. Seus estudos se concentram na relação entre imagens da arte e a memória histórica. Vive em Belo Horizonte.

NOTAS                                                                 

1.
BENTO, Antonio. Fayga Ostrower. Em: OSTROWER, Fayga; HERKENHOFF, Paulo.; MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES (Brasil). Exposição retrospectiva de Fayga Ostrower: obra gráfica : 1944-1983. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes, 1983. [64] p.

2.
Stanley William Hayter foi o fundador do Atelier 17, coletivo de gravura criado em 1927 em Paris. O gavador se refugiou nos Estados Unidos após a invasão nazista na França. Apesar de não ter sido aluna de Hayter, há uma possibilidade de que Fayga Ostrower tenha frequentado o Atelier 17 nos Estados Unidos.

3.
BENTO, 1983.

4.
AMARAL, Aracy A.; MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO; SÃO PAULO (BRAZIL: STATE) (Orgs.). Projeto construtivo brasileiro na arte. São Paulo: Pinacoteca : Governo do Estado, São Paulo, Secretaria da Cultura : Ministério da Cultura, Governo Federal, Brasil, 2015.

5.
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Mario Pedrosa: Itinerário crítico. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 62.

6.
BARATA, Mario. Fayga Ostrower. Em: OSTROWER, Fayga; HERKENHOFF, Paulo.; MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES (Brasil). Exposição retrospectiva de Fayga Ostrower: obra gráfica : 1944-1983. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes, 1983. [64] p. N