O Festival Literário Internacional de Belo Horizonte — FLI BH foi criado em 2015 como culminância e celebração das ações de promoção da leitura e da literatura desenvolvidas pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Municipal de Cultura.
Realizado a cada dois anos, o Festival oferece atividades diversas para a valorização da literatura, contemplando públicos distintos e abarcando as cadeias criativas, produtivas, formativas e de promoção do acesso ao livro e à leitura.
Toda a programação — desta vez totalmente virtual — foi guiada a partir do Portal Belo Horizonte, com as principais transmissões via YouTube da Fundação Municipal de Cultura e Zoom.
Em 11 dias de programação, foram mais de 83 horas de conteúdo exclusivo — dentre as quais 55 horas seguem disponíveis para visualização —, 201 conteúdos, mais de 18 mil visualizações de lançamentos de livros, mesas de debate, entrevistas, rodas e clubes de leitura, narração de histórias, saraus, performances de ilustração, oficinas e mostras de cinema.
O evento contou com 255 participações de escritores, poetas, ilustradores, narradores de histórias, músicos, além dos profissionais do mercado literário, como produtores, editores e pesquisadores. 108 livros foram lançados: 52 obras para o público infantojuvenil e 56 livros para o público jovem e adulto. 99 editoras participaram da Feira de Livros virtual e mais de 250 livros foram recebidos como contrapartida das editoras e serão entregues à Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte.
Há mais de um ano, vivemos a pandemia da covid-19. A crise sanitária em escala global, e particularmente avassaladora no Brasil, aprofundou desigualdades, revelou precariedades antes maquiadas, ampliou abismos entre uma pequena parcela de privilegiados e um imenso universo de desfavorecidos, recrudesceu violências. A classe artística foi uma das que sofreram maior impacto, justamente porque as artes costumavam convocar as pessoas à rua, à reunião, à confraternização, a espaços dedicados à música, à encenação, ao palco ou à praça, não apenas favorecendo, mas provocando aglomerações, que se tornaram terreno fértil para a transmissão da covid-19. Diante desse cenário de medo e dispersão, e da recomendação de que todos – aqueles que puderem – fiquem em casa, os festivais e festas literários passaram por profundas transformações, procurando, como a água, frestas e trilhas por onde encontrar novamente o público. Essas frestas, então, têm relação direta com as tecnologias digitais da informação e da comunicação e com estratégias tão acolhedoras e afetuosas quanto possível para provocar o abraço, ao menos virtual, entre quem escreve, quem ilustra, quem produz livro e literatura e quem lê.
Nessa cena triste e tensa que envolve a pandemia e o distanciamento social, lidamos ainda com questões econômicas e políticas não menos difíceis, direitos reduzidos, omissões e perversidades, o que nos dá, por vezes, a sensação de viver um pesadelo coletivo. E quem não gostaria de virar esta página?
A proposta da curadoria para o FLI BH (4ª edição) é, sob a metáfora da página virada, imaginar um futuro mais inteligente, mais diverso e justo para todos e todas, mas construído com a participação de quem pensa e projeta o bem comum. A recente proposição de taxação do livro, por exemplo, pôs em alerta todas as pessoas envolvidas no universo literário, mas é importante que se compreenda que não se trata de uma questão meramente econômica. Trata-se, sim, de uma questão amplamente social, à medida que o livro e a leitura, em todas as suas formas e tecnologias, são muito mais do que coadjuvantes nos projetos de futuro, que devem envolver melhores e mais dignas condições de vida a todos e todas. Livro e leitura, em suas relações inextricáveis com a cultura, a educação, a saúde, a memória e os direitos humanos, são protagonistas num exercício de tecer amanhãs melhores, viáveis, justos e de paz. O poeta João Cabral de Melo Neto, lembrado por esta curadoria, tecia manhãs em seus famosos versos. Propomos aqui que todos os dias possam ser melhores, quando pudermos virar a página de tempos difíceis e tristes, tais como os que vivemos, de maneira mais radical desde 2020. Certamente, o livro e a leitura têm lugar fundamental no desenho desses amanhãs, lá onde pretendemos chegar bem, a fim de uma nova experiência de abraço e humanidade.
Ana Elisa Ribeiro e Madu Costa
Crédito: Acervo pessoal
Madu Costa é professora, pedagoga, arte-educadora, assessora pedagógica, narradora de histórias, membra do Coletivo Iabás de Narração de Histórias das Orixás Femininas, cordelista, escritora.
Crédito: Sergio Karam
Ana Elisa Ribeiro é escritora, pesquisadora do livro e da edição e professora titular da rede federal de ensino, em Belo Horizonte, onde nasceu e reside. É doutora em estudos linguísticos, licenciada e bacharel em Letras-português.
Credito: SylviaVartuli
Crédito: SylviaVartuli
Nascida em Ponte Nova há oitenta anos, Maria Mazarello Rodrigues era uma criança curiosa e ávida por conquistar o seu lugar. Filha de trabalhadores pobres, aprendeu a ler aos 4 anos de idade e se mudou para Belo Horizonte com a mãe e os irmãos, após a morte do pai, aos 13. Apesar das condições econômicas difíceis enfrentadas pela família, os livros e as leituras sempre fizeram parte da vida da pequena Mazza, como é carinhosamente conhecida. A mãe lia para ela e para os irmãos e convidava-os a ler sozinhos também.
A vinda para a capital mineira abriu caminhos para que Mazza rompesse com o destino previamente traçado para uma menina negra no Brasil do início da década de 1950. Sua trajetória não foi fácil, mas seu firme propósito ajudou a construir sonhos e ampliar horizontes e, hoje, sua história se apresenta como exemplo de persistência, competência e recusa ao racismo impregnado na estrutura social do país.
Ex-aluna de escola pública, encontra sua vocação em meio às máquinas gráficas, de transformar papel em livros, e nos muitos livros que editou.
Já graduada jornalista pela Universidade Federal de Minas Gerais e com a experiência de um curso de pós-graduação em editoração na França, Mazza criou, no início da década de 1980, a casa editorial que leva seu nome. Em quarenta anos de existência e resistência, a Mazza Edições amplificou a voz de autoras e de autores negros, cujas produções e temas, especialmente as reflexões sobre identidades e negritude no país, não encontravam espaço no mercado editorial brasileiro.
É a presença marcante de Maria Mazarello Rodrigues na história cultural e intelectual de Belo Horizonte e do Brasil que é celebrada na homenagem a ela conferida pela 4ª edição do Festival Literário Internacional de Belo Horizonte – FLI BH. Seu longevo, perene e incansável compromisso de ampliar e diversificar as vozes para dizer quem somos, o que pensamos e como vivemos neste país coloca autoras e autores, pesquisadoras e pesquisadores e muitas outras pessoas que trabalham para que livros sejam publicados e lidos em movimento na construção de vidas mais justas. Dito de outra maneira, Mazza é daquelas pessoas que viram páginas e tecem os amanhãs.
DE NELSON CRUZ
Nelson Cruz é artista plástico, chargista, escritor e ilustrador de Belo Horizonte. Autodidata, trabalha como pintor e ilustrador desde os anos 1970.
Começou sua carreira no mercado editorial em 1988, desenvolvendo ilustrações para livros de diversas editoras. Coleciona numerosos prêmios de arte e literatura, entre eles seis Jabutis. O artista também conta com 22 livros ilustrados publicados, mostrando que os mais de 30 anos de carreira foram dedicados não só às ilustrações, como também à escrita.
Atualmente, mora e trabalha em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.