8ª Coluna Literária - Especial Paulo Freire
Foto: Arte/FMCBH

8ª Coluna Literária - Especial Paulo Freire

Este ano comemoramos 100 anos de nascimento do pernambucano Paulo Freire (1921-1997). Embora tenha atuado principalmente no campo da educação, o pensamento do educador influencia várias áreas do conhecimento pelo mundo afora. A Coluna Literária deste mês presta homenagem à sua importante trajetória e revisita algumas de suas obras. Ericka Martin comenta a obra “Educação e Mudança” (2018), ed. Paz e Terra; Rodrigo Teixeira apresenta “A importância do ato de ler: em três artigos que se completam” (2011), ed. Cortez; e Samuel Medina traz o perfil literário do educador, baseado na biografia “Paulo Freire”, escrita por Celso de Rui Beisiegel, coleção Educadores/MEC. 

Além de celebrar o centenário de Paulo Freire, esta edição da Coluna comemora também a reabertura da maioria das bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura. Assim, leitores e leitoras têm acesso a cerca de 140.000 exemplares entre literatura, quadrinhos, informativos e humanidades. A obra de Paulo Freire é vasta, destacamos aqui as obras disponíveis em nosso acervo para empréstimo, parte delas publicada pela editora Paz e Terra: “Pedagogia do Oprimido”; “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa”; “Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido”; “Educação como prática de liberdade”; “Ação cultural para liberdade e outros escritos”; “África ensinando a gente: Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe”; e “Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos” (UNESP). 

Outra importante notícia é que toda a obra de Paulo Freire, entre fotografias, vídeos, áudios e textos, está disponível gratuitamente por meio do projeto “Memórias do Patrono da Educação Brasileira”, no site. 

Paulo Freire possui grande influência no movimento da pedagogia crítica, pautada por práticas de aprendizagem dialógicas, portanto, democráticas.  Nessa perspectiva, os saberes de alunas e alunos são ponto de partida para a ampliação do conhecimento de mundo.  Não é à toa que Paulo Freire é considerado o Patrono da Educação Brasileira, tendo sua obra traduzida em vários países. Esperamos que gostem da edição, conheçam ou reconheçam a produção escrita deste importante educador brasileiro e visitem a rede de bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura, para obter informações, acesse o site: pbh.gov.br/reaberturabibliotecas

Daniela Figueiredo
 

Perfil literário Paulo Freire - A busca pela emancipação do ser humano

Fonte: "Fotos cedidas pelo Memorial da Educação Municipal da cidade de São Paulo". Site: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/memorial/Default.aspx Paulo Reglus Neves Freire nasceu no Recife, Pernambuco, em 19 de setembro de 1921. Em 1944 casou-se com Elza Maria Costa de Oliveira, com quem teve cinco filhos. O papel de Elza no envolvimento inicial de Paulo Freire na educação é crucial. Elza veio a falecer em 1986. Em 1988, Freire se casou com a pedagoga e pesquisadora Ana Maria Araújo, responsável legal pela obra do educador, falecido em 1997.

Freire foi diplomado em Direito pela Escola de Direito do Recife em 1946, no entanto desistiu da prática de advocacia. Teve uma experiência inicial como professor no Colégio Oswaldo Cruz. A partir de 1947, dirigiu o setor de Educação e Cultura do Sesi de Pernambuco. Já em 1954, foi superintendente da instituição, lá ficando até 1957. Ensinou filosofia da educação na Escola de Serviço Social do Recife.

O envolvimento de Paulo Freire na educação é longo e profundo. Desde suas experiências lecionando no Colégio Oswaldo Cruz, até sua atuação como professor de Filosofia e História da educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade do Recife, sua trajetória foi marcada por uma rica atuação junto a cargos de educação. 

Em 1960, participou do Movimento Cultural Popular do Recife, atuando à frente da Divisão de Pesquisas da entidade. Foi então que em 1963 assumiu a presidência da Comissão Nacional de Cultura Popular e no ano seguinte a coordenação do Programa Nacional de Alfabetização, promovido pelo Ministério da Educação para uso do método Paulo Freire de alfabetização de adultos.

É importante destacar que estes anos marcaram a atuação de Freire na alfabetização de adultos. As ideias de Paulo Freire alcançaram todo o país através da campanha publicitária realizada pela Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte, em 1963, divulgando o método que levava o nome de seu criador.

A campanha anunciava que o método era capaz de alfabetizar um adulto em quarenta horas. Com o tempo, observou-se que a proposta era muito maior que esta. Era promover a emancipação do sujeito, através da autovalorização e do aprendizado em comunidade. Eram criados grupos de discussão, a partir dos quais o conhecimento era construído em conjunto, nunca através da imposição de um professor.

Em 1964 deu-se início o longo período de exílio do educador, sendo este encerrado apenas em 1980, quando este retornou ao Brasil. Esse período de exílio é marcado por uma intensa pesquisa acadêmica, de onde nasceram as obras “Educação como prática da liberdade”, de 1965, e “Pedagogia do oprimido”, seu mais importante trabalho, concluído em 1968.

Dos trabalhos de Freire, é importante também destacar as “Cartas a Guiné-Bissau”. Nesse livro, Freire coloca o desafio de um programa de alfabetização em massa, aplicado em um país do contexto da reconstrução pela qual passava Guiné-Bissau. Nesse sentido, Freire destacou ser fundamental não transferir seu método como um modelo, mas reformular uma nova metodologia, considerando as diferenças e peculiaridades do país.

Durante o período de ausência do Brasil, Paulo Freire teve contato com diversas correntes de pensamento, tendo revisado sua pesquisa inúmeras vezes. Destaca-se sua aproximação com os teóricos marxistas, uma vez que é impossível dissociar o viés de sua posição contra a opressão, que se traduz na luta de classes em si.

Paulo Freire foi um intelectual de peso, que revolucionou a forma como a educação era vista. Em sua carreira, agregou um enorme número de admiradores, mas também fez inúmeros adversários e inimigos. Seu pensamento, seu trabalho e seu discurso mostram, contudo, uma profunda preocupação para com o ser humano, como um sujeito do devir, alguém que encerra em si um universo de possibilidades.

Samuel Medina

Beisiegel, Celso de Rui. Paulo Freire – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 128 p.: il. – (Coleção Educadores) Domínio Público

*Fonte: "Fotos cedidas pelo Memorial da Educação Municipal da cidade de São Paulo". Site.  

Educação e mudança

educando a filha “Educação e Mudança” (2018), ed. Paz e Terra,  traduzida por Lilian Lopes Martin, reúne textos publicados originalmente em espanhol por Paulo Freire durante seu exílio. Em “O compromisso do profissional com a sociedade”, Freire busca contextualizar o compromisso que os educadores devem assumir para educar cidadãos com olhar crítico para o mundo. Segundo ele, "é preciso que seja capaz de, estando no mundo, saber-se dele”. A reflexão do  educador propõe que estes profissionais se comprometam com a formação de pessoas que sejam capazes tanto da ação, quanto da reflexão sobre a realidade. Esse compromisso não se dá apenas para os indivíduos, mas como um  projeto de nação desejado. 

Em “A educação e o processo de mudança social”, Paulo Freire faz um breve estudo filosófico-antropológico, que expõe a educação como o meio do homem completar-se a partir da consciência de que é um ser inacabado. Conhecer e refletir sobre si, sua realidade e a natureza que o cerca o levaria a se aproximar mais da completude e encarar as dicotomias do saber versus a ignorância, do amor versus o desamor, da esperança versus a desesperança e de como a reflexão dos indivíduos sobre estas questões gera mudança na sociedade.

Em “O papel do trabalhador social no processo de mudança”, o autor apresenta as características necessárias a um trabalhador social que vê na esperança crítica o caminho para uma transformação social que altere a realidade de forma positiva.

Já em “Alfabetização de adultos e conscientização”, encontramos a contextualização espaço-temporal da humanidade e de como o entendimento dessa questão é importante para que a educação alcance aqueles indivíduos que não tiveram acesso a ela antes de se tornarem adultos. Essa  reflexão os ajudaria a distinguir o mundo da natureza do mundo da cultura, de maneira a questionarem o papel deles nessa relação. A alfabetização é apresentada como um ato criador, que ajuda os indivíduos a ampliarem o universo vocabular de forma a retratarem a si mesmos, bem como o mundo que os cerca. Neste texto, Freire apresenta a metodologia de reflexão diante de situações-problema e os resultados obtidos com essa aplicação. 

Os textos reunidos neste livro são fundamentais para a compreensão  da educação no Brasil, assim como em qualquer lugar do mundo. São também ferramentas de reflexão para  todos os educadores, sejam eles formais ou informais, pedagogos, bibliotecários, professores e demais profissionais que se dedicam a promover uma existência crítica. Uma existência na qual as pessoas se enxerguem não apenas como parte do mundo, mas como agentes transformadores. Não apenas como pessoas, mas também como cidadãos. Não apenas como seres inertes frente à natureza, mas como protagonistas na cultura de seu povo. Paulo Freire não acreditava que a educação sozinha era capaz de mudar o mundo, mas tinha certeza de que, sem ela, tampouco o mundo mudaria.

Ericka Martin

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 39. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018. 110 p.

*Foto: Educando com filha no colo, fazendo a identificação das sílabas. Círculo de Cultura de Gama (DF). Site

A importância do ato de ler: em três artigos que se completam

Fotógrafo: Nilton MarcioPode parecer estranho recomendar a leitura de Paulo Freire para pessoas que não lidem com a área de educação. Porém, é muito importante que a Coluna Literária se dedique a ele e recomende aos seus leitores: "conheçam Paulo Freire, mesmo que vocês não sejam professores ou pesquisadores". A filosofia de Paulo ultrapassa, em vários momentos, o espaço das salas de aula. Ainda que seu método seja voltado para a alfabetização de adultos, Paulo Freire pensa a relação da pessoa com a leitura a partir da relação que essa pessoa estabelece com o mundo que a cerca. Para que possamos ler, verdadeiramente, é preciso aprender a observar o mundo e pensar sobre ele. E essa habilidade de "ler o mundo" e questioná-lo é fundamental para qualquer pessoa, educadora  ou não.

O livro que resenho nesta edição é "A importância do ato de ler: em três artigos que se completam" (2011), ed. Cortez. Como o próprio título diz, a publicação é a reunião de três falas do professor, onde se discute a ideia de que ler é uma ação ampla que vai além de apenas decodificar palavras. Dizer que a leitura é, ou deve ser, um "ato", cria uma oposição a outra expressão bastante utilizada quando se fala em leitura, que é "hábito de ler". A palavra hábito carrega em si a noção de algo que fazemos de modo automático, por impulso, sem reflexão, como escovar os dentes, ou amarrar os sapatos. Isso está distante do que Paulo Freire pensa como leitura: uma ação crítica, questionadora, uma escolha da pessoa que lê.

Nesse sentido, o livro desdobra o tema da leitura em três questões muito importantes. A primeira delas apresenta que a história de vida, as experiências, a "leitura do mundo" que uma pessoa faz é fundamental para seu modo de ler as palavras. Daí vem a expressão "a leitura do mundo precede a leitura da palavra". Nela, o educador deixa explícito que o aluno, o leitor, qualquer pessoa, possuem uma história e uma experiência que antecedem a leitura; que esse sujeito não é uma criatura vazia e ignorante, esperando passivamente que um professor o preencha com a sabedoria. O respeito a essa experiência, segundo ele, é determinante para o sucesso da alfabetização.

Outro ponto importante é a pergunta que permeia todo o segundo artigo: para que serve a Educação? Paulo Freire discute as ideias pré concebidas que existem sobre uma educação autoritária, que, ao invés de emanciparem e auxiliarem as pessoas a questionarem e mudarem o mundo, educam para o silêncio e o conformismo. O autor explica que a Educação nunca é neutra, e que saber e assumir isso é um caminho sincero que permite ao educador e ao educando observar o mundo de maneira crítica, entendendo quais as transformações são necessárias e como empreendê-las.

Por fim, o último dos artigos trata da experiência de alfabetização de adultos em São Tomé e Príncipe, escancarando a importância das relações horizontais entre educadores e educandos. Os educandos são parte ativa do processo de educação, com sua experiência, sua história e suas necessidades. É a realidade vivida pelos sujeitos que irá determinar a melhor forma de fazer com que aprendam a ler, a transformar seu mundo e seus pensamentos em palavras.

Paulo Freire pensa em pessoas livres, pensantes, que questionem a realidade, produzam sua cultura e tenham direito de ser protagonistas de seus processos de Educação. Seu texto, ainda que pareça um pouco difícil à primeira vista, é muito importante, porque desfaz noções inocentes que temos da Educação, da leitura e das possibilidades reais de transformação social. Ele é uma voz que sussurra em nossas consciências e nos ajuda a olhar de uma maneira mais humana e esperançosa para o mundo que nos cerca.

Rodrigo Teixeira

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 51. ed., 5. reimp. São Paulo: Cortez, 2011.

*Foto: Nilton Marcio 

Foto: Trata-se de uma fotografia com as diversas publicações em diversos idiomas de Paulo Freire.

* Foto: Trata-se de uma fotografia com as diversas publicações em diversos idiomas de Paulo Freire. Site