7ª edição Coluna Literária - Literatura africana em foco
Foto: Arte/FMCBH

7ª edição Coluna Literária - Literatura africana em foco

Apresentação 

É com muita esperança de dias melhores que esta edição da coluna celebra o início do ciclo de reabertura da rede de bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte (FMC BH), após o fechamento devido à pandemia de covid-19. Dessa forma, a Coluna Literária passa a divulgar livros disponíveis em nossos acervos para empréstimo domiciliar, além de outros textos que podem ser acessados na Web. 

Esta edição comenta a obra “Reclusos do Tempo”, do moçambicano Alex Dau, e “Sem Gentileza”, da nigeriana Futhi Ntshingila. Apresenta, ainda, o perfil literário da escritora moçambicana Paulina Chiziane, que este ano foi laureada com o importante Prêmio Camões da língua portuguesa. Todas as obras indicadas estão disponíveis para empréstimo na rede de bibliotecas da FMC. Para consultar a disponibilidade dos livros, acesse o Portal das Bibliotecas e entre em contato com a biblioteca para obter as informações sobre o agendamento para empréstimo. No site constam informações sobre as unidades abertas, endereços, horários de funcionamento e como agendar.

A literatura africana tem importante relevância cultural no mundo, no entanto, ainda sem a devida valorização, fomento e difusão. A sétima edição da Coluna Literária é um convite para conhecer um pouco desse universo. Esse segmento da literatura permeia os idiomas que conformam o continente africano, como o português, francês e inglês, entre outros. Essas literaturas têm suas raízes no movimento que ficou conhecido como negritude.

O primeiro congresso de escritores da África ocorreu em 1956, com a participação do primeiro grupo de escritores africanos. O evento foi recheado de textos e manifestos anticolonialistas. Figuram entre os principais nomes da literatura africana: Léopold Sédar Senghor, Sony Labou Tansi, Bernard Dadié, Ferdinand Oyono, Ahmadou Korouma e Sembene Ousmane. Os autores considerados expoentes da literatura africana são Wole Soyinka, escritor nigeriano quase desconhecido no Brasil, e que ganhou o Nobel de Literatura em 1986, considerado o dramaturgo mais importante de todo o continente; Neguib Mahfuz, egípcio; Nadine Gordimer foi um dos grandes nomes da África do Sul; Mia Couto, autor de Moçambique, dentre outros. O compromisso que muitos de nós temos assumido  é dar visibilidade à literatura africana de autoria de mulheres. Se, por um lado, temos a nigeriana radicada em Nova York, Chimamanda Ngozi Adichie, alcançando larga visibilidade, por outro, a maior escritora moçambicana, Paulina Chiziane, ainda é pouco lida, até mesmo no Brasil. 

Rosália Diogo

Reclusos do Tempo - Alex Dau 

Moçambique é um país que divide conosco um passado e um presente da violência e da exploração dos invasores portugueses. Por isso parece ser tão importante que possamos dialogar e nos entender em nossas particularidades, tradições e resistências. O livro “Reclusos do Tempo”, de Alex Dau, publicado por Oleba Editores, expõe parte desse Moçambique que, ao mesmo modo do Brasil, precisa lidar com os traumas e a destruição provocadas pela ação da Europa. Alex Dau é um grande militante da literatura de seu país. “Reclusos do Tempo” é seu primeiro livro publicado e tive a feliz oportunidade de adquiri-lo com o próprio escritor, numa de suas visitas ao Brasil.

A leitura dos 14 contos curtos do livro é fluida e interessante. As diferenças nas construções do Português moçambicano e brasileiro tornam a leitura mais divertida do que difícil. Alex possui uma escrita ágil e concisa, fazendo descrições precisas e em vários momentos optando pelo corte brusco, tanto na transição das cenas, quanto em alguns finais abruptos.

O Moçambique do livro é explorado como um país imenso, feito de metrópoles, vilas, pequenas cidades e agrupamentos. Os contos se passam não só nos locais, mas também nos espaços e deslocamentos existentes entre eles. É perceptível que o autor não busca apresentar o país para estrangeiros, mas refletir sobre sua formação, seu povo e suas relações internas.

O tempo, presente no título do livro, que é a repetição do nome de um dos contos, é como uma serpente venenosa que domina e aprisiona os homens, determinando o ritmo de suas vidas e os acontecimentos. Esse tempo que vitimiza e controla os personagens é, por um lado, a representação da própria violência e pobreza do processo de colonização e urbanização de Moçambique, destituindo o povo do poder sobre seus próprios destinos e, por outro, uma alusão ao passado, à tradição e à espiritualidade, sempre muito presente e muito concreta. Espíritos de parentes, de reis ou de figuras emblemáticas aparecem, ora demandando, cheios de caprichos, ora protegendo e guiando a sorte dos personagens.

Essa humanização das entidades é acompanhada pela complexidade das personagens humanas, que se apaixonam, viajam e lidam com problemas triviais, como a falta de sorte no amor, ou com grandes secas e fomes que assolam suas terras natais. Com isso, Alex traz a memória e a tradição para o campo do cotidiano, trazendo o passado do povo para seu presente e abordando a espiritualidade sem idealizações ou mistérios exóticos tão comuns nas narrativas norte-americanas e europeias. Para os que se sentirem curiosos, Alex Dau publicou no Brasil, pela editora Nandyala, o livro “O galo que não cantou e outras histórias de Moçambique”.

Rodrigo Teixeira

Disponível para empréstimo na rede de bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura - FMC: Dau, Alex. Reclusos do tempo. Maputo. Oleba editores, 2017. Para verificar a disponibilidade do livro. 

 

Sem gentileza - Dor e perda rumo à esperança

O que fazer quando o seu destino parece traçado? Como reagir quando esse destino não oferece alternativa e tudo parece conspirar contra todas as suas tentativas de uma vida um pouco menos cruel? Quando homens que deveriam proteger só trazem desgraça e tristeza?

Talvez essas sejam algumas das questões que atravessam a mente e o coração da jovem Mvelo. Com apenas 15 anos, a garota precisa cuidar da mãe com Aids, enquanto se vê vítima de uma violência brutal. Essas não são as únicas aflições da jovem. Moradora de uma favela na África do Sul, Mvelo se vê cercada das piores condições de vida, com ninguém a quem recorrer a não ser ela mesma.

Assim tem início o romance Sem gentileza, de Futhi Nshingila. Ambientado em uma África do Sul após o apartheid, a narrativa mostra como a segregação racial ainda se faz presente na sociedade sul-africana, principalmente através da pobreza, do descaso do governo, da ausência de moradia digna e de acesso à saúde. Outras tantas mazelas cercam Mvelo e sua mãe, como a exploração religiosa e o machismo predatório que vitimam muitas jovens negras.

Nem tudo é desgraça e tristeza, porém. Mvelo encontra em Nonceba, uma jovem advogada, uma figura de referência, alguém que é capaz de se impor, que não se submete a homem algum. Além disso, Nonceba parece protegida pelos espíritos ancestrais. As pessoas que a temem pensam que Nonceba é feiticeira. O poder dessa mulher, de fato, por vezes parece sobrenatural. Contudo, o que mais é perceptível na personalidade de Nonceba é seu pulso firme, além de sua competência e da total confiança em si mesma.

Através de uma escrita direta e concisa, Nshingila guia o leitor, convidando-o a testemunhar diversas vidas e histórias, com momentos cruciais de morte e vida, ressaltando a força da ancestralidade que vai de encontro com os valores ocidentais e brancos. Assim, com um romance repleto de dor e perda, a autora vai traçando um texto de denúncia, expondo as mazelas a que estão submetidas tantas mulheres africanas.

Samuel Medina

Disponível para empréstimo na rede de bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura - FMC: Ntshingila, Futhi. Sem gentileza. Porto Alegre: Dublinense, 2016.  Para verificar a disponibilidade do livro.

Perfil: Paulina Chiziane

Paulina Chiziane nasceu em 1944, em Manjacaze, província de Gaza, sul de Moçambique.  Foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance. Dessa forma, a escritora desafiou e desafia críticas e resistências sociais e culturais no seu país e no continente africano. Paulina representa uma mulher moçambicana que fala sobre as mulheres do seu país e do mundo. Posicionamento que modifica o cenário social que normalmente é protagonizado por homens. Escreveu alguns contos e estreou no romance com a obra “Balada de amor ao vento” (1990), editora Caminho. Publicou também por esta editora “Ventos do Apocalipse” (1995); “O sétimo juramento” (1999); “O alegre canto da perdiz”; e “Niketche: uma história de poligamia” (2004), Companhia das Letras; “Por quem vibram os tambores do além?” (2013), ed. Índico; “Na mão de Deus”, ed. Carmo; e “Ngoma Yethu: o curandeiro e o Novo Testamento” (2015); “O Canto dos Escravizados” (2018) e “As andorinhas” (2008) pela editora Nandyala. 

Rosália Diogo

Disponíveis para empréstimo na rede de bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura - FMC: O alegre canto do perdiz, Sociedade Editorial Ndjira; e Balada de amor ao vento, ed. Caminho.