Coluna Literária – 6ª edição Perspectiva Feminista – Zazie Edições
Foto: Arte/FMCBH

Coluna Literária – 6ª edição Perspectiva Feminista – Zazie Edições

Apresentação

A edição deste mês da Coluna Literária traz resenhas de três ensaios que compõem a coleção “Perspectiva Feminina” da Zazie Edições, são eles: “Sob os olhos ocidentais”, de Chandra Talpade Mohanty; “Meu corpo é um território político”, de Dorotea Gómez Grijalva; e “Subnarradas mulheres que editam”, de Ana Elisa Ribeiro. A coleção apresenta discussões teórico-críticas orientadas pelo feminismo. 

A Zazie Edições é uma editora independente, sem fins lucrativos, que possui publicações com diferentes abordagens. Tem como princípio o livre acesso aos textos que edita, visando à democratização do conhecimento. Todos os títulos estão disponíveis gratuitamente para leitura no site da editora e podem também ser baixados em PDF. Além dos textos resenhados nesta edição da Coluna, a coleção “Perspectiva Feminina”, selo coordenado por Ana Bernstein e Laura Erber, traz os ensaios “A tríplice negação de artistas mulheres de cor”, de Adrian Piper; e “Imagens de “mulher”: a fotografia de Cindy Sherman”, de Judith Williamson. 

A Coluna Literária segue com o propósito de destacar iniciativas relacionadas à produção escrita, com conteúdos significativos no campo sociopolítico que contemplem a pluralidade de vozes. Esperamos que gostem das resenhas, e sintam-se convidados(as) a conhecerem a Zazie Edições.

Daniela Figueiredo

Acesse e baixe gratuitamente os textos da Zazie Edições.

 

Chandra Mohanty: uma voz potente para a construção de caminhos e destinos alternativos para o feminismo

É possível a solidariedade entre mulheres de todo o mundo? E como essa solidariedade pode ser construída? Ler os dois artigos de Chandra Mohanty, que a Zazie Edições nos disponibiliza, com tradução para o português de Ana Bernstein, coloca-nos em movimento. E é bem isso que a autora propõe: que nossas mentes estejam prontas a se mover. Um movimento, ao mesmo tempo, de revisão, de questionamento, de desconstrução, mas, também, de imaginação, proposição e construção.

Chandra Mohanty se destacou como uma voz potente na construção de novas vias para o feminismo, em 1986, quando publicou o ensaio “Sob olhos ocidentais: estudos feministas e discursos coloniais”. Sem meias palavras e com muita criatividade e rigor acadêmico, ela pôs em xeque e em causa a pretensa hegemonia do “feminismo ocidental”, do “feminismo branco”, do mainstream. E nesse movimento de desconstrução, abriu espaço, não só para sua própria voz, mas também para a de outras pesquisadoras do Terceiro Mundo, imigrantes e outros marginalizados como ela, “ (…) que se viam apagados ou deturpados no interior dos estudos feministas euroamericanos dominantes e de suas comunidades” (MOHANTY, 2020, p. 70).

Com o mesmo rigor e coragem, Chandra revisita esse ensaio, dezesseis anos depois e, longe de recuar, propõe avanços e missões ainda maiores para o feminismo: “(...) agora vejo a política e a economia do capitalismo como um lócus muito mais urgente de luta” (Ibidem p. 81). Depois e a partir da necessária crítica aberta aos métodos, estratégias e princípios analíticos do “feminismo ocidental” e de seus efeitos políticos sobre a vida e as lutas das mulheres marginalizadas, Chandra aponta caminhos que passam pela construção de uma solidariedade feminista para além das fronteiras. Não uma sororidade supostamente universal, mas uma solidariedade construída, a partir (e não a despeito) das heterogeneidades materiais e históricas das vidas das mulheres do Terceiro Mundo. E, principalmente, a partir do enfrentamento dos processos econômicos e políticos capitalistas, que se tornaram mais brutais, exacerbando as desigualdades econômicas, raciais e de gênero e que, “(…) portanto, devem ser desmitificados, reexaminados e teorizados” (Ibidem, p. 82).


 Érica Lima

 MOHANTY, Chandra Talpade. Sob olhos ocidentais. Copenhague / Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2020.
 

“Da má vontade de uns e intolerância de outros”: conversa sobre mulheres na edição

Em “Subnarradas: mulheres que editam”, a autora Ana Elisa Ribeiro, como ela própria menciona, faz um voo rasante sobre a trajetória de mulheres no campo da edição. O ensaio, com caráter político relevante, é construído com leveza. Para mim, que já ouvi Ana Elisa em várias oportunidades de formação, essa é uma característica marcante de sua prosa. Irônica, ela menciona que já foi elogiada por sua pesquisa sob a ótica de gênero não ter o tom panfletário, de modo a comprometer sua legitimidade acadêmica, mas responde: “Ocorre que a ciência também se estrutura sobre uma pretensa “neutralidade”, que em perspectiva de gênero, é masculina” (RIBEIRO, 2020, p.16).

Se por um lado, na contemporaneidade, a produção literária de escritoras vem sendo pesquisada e redescoberta, por outro, o interesse pelo trabalho de edição coordenado por mulheres surgiu há pouco tempo, explica Ana Elisa. É a partir desse pressuposto que alguns  trabalhos de edição realizados por mulheres são comentados, para citar alguns: a revista literária “Meia-Pataca”, editada por Lina Tâmega Peixoto; “Edições Mazza”, dirigida por Maria Mazzarelo Rodrigues; “Nega Lilu”, sob direção de Larissa Mundim; e “Macabéa”, dirigida por três editoras: Bianca Garcia, Thayssa Martins e Viviane Marques.

Também dentro da perspectiva de gênero, o ensaio apresenta editoras que foram criadas com o objetivo de incentivar e promover a publicação de obras de autoria feminina, por exemplo a editora “Luas”, dirigida por Cecília Castro; a editora independente “Aliás”, sob coordenação de Anna K. Lima, Isabel Costa e Gabrielle Lima, dedicada a editar livros escritos por mulheres cis e trans; e a Padê Editorial, dirigida por Tatiana Nascimento e Bárbara Esmenia.

No que diz respeito ao meio acadêmico, é mencionada a emergência de pesquisas relacionadas às editoras em várias partes do mundo e que o Brasil, assim como outros países vizinhos, está ativo nesse campo.  
Deixo aqui o convite para a leitura do ensaio na íntegra, Ana Elisa menciona que as iniciativas destacadas no texto extrapolam o lugar hegemônico da cena editorial, estão “nas bordas, nas franjas, poderíamos dizer, periféricas, marginais ou excêntricas, já que não estão no espaço discursivo, nem geográfico, nem econômico etc. de hegemonia, mas o percebem e a ele reagem” (Ibidem, p. 13).


 Daniela Figueiredo

RIBEIRO, Ana Elisa. Subnarradas: mulheres que editam.  Copenhague / Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2020. 

 

Com quantas experiências se forma uma feminista? O corpo-território de Dorotea Gómez Grijalva

“Meu corpo é um território político”, tradução para o português de Sandra Bonomini, é um texto atravessado pela experiência. Para Dorotea Gómez Grijalva, ser mulher, indígena, feminista e homossexual é compreender o corpo historica e socialmente, para além da condição biológica. A reflexão crítica e propositiva da autora se dá a partir de sua história de vida e em diálogo com outras autoras feministas latinoamericanas. 

Durante sua infância, a Guatemala, o país de origem da autora, estava sob conflito armado interno que resultou no extermínio de mais de 600 de comunidades de origem maya e no assassinato de centenas de milhares de pessoas. Seu corpo manifestou o trauma vivenciado nesse período através de uma alergia na pele, compreendida ao longo do tempo por meio das trocas com outras mulheres e do acesso à informação. O intenso processo de autoconhecimento compartilhado no texto cria uma aproximação com as leitoras, apontando possibilidades para quem se vê diante de impasses cotidianos e também profundos. Por toda a influência do contexto, a autora reconhece seu corpo “como um território com história, memória e conhecimentos, tanto ancestrais quanto próprios” (GRIJAVA, 2020, p.10). 

Ao ultrapassar as conhecidas fronteiras da razão acadêmica, Dorotea, em sua escrita decolonial, nos situa em relação ao feminismo interseccional. Reafirma sua consciência étnica se identificando como descendente maya, em um ato que se opõe à invisibilidade histórica que criou ao longo de décadas o imaginário de que essa população não existe mais. Essa escolha também a colocou diante dos limites da luta feminista, especialmente no que se refere ao racismo. O relato de sua experiência diante do dilema se o fato de se “ser mulher maya e feminista era contraditório ou não”, ilustra a sobreposição dos sistemas de opressão e das relações nem sempre consideradas entre raça, gênero e classe. 

Construindo seu lugar no mundo, Dorotea opta por se apropriar das contribuições do feminismo como pesquisadora e profissional demonstrando em sua atuação a mesma coerência que perpassa seu texto. Esse artigo nos faz refletir sobre a potência do encontro da teoria e da prática, sobre coragem para conhecer e buscar superar padrões limitantes. Vale a leitura.

Ludmila Ribeiro


GRIJALVA, Dorotea Goméz. Meu corpo é um território político.  Copenhague / Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2020.