Coluna Literária estreia abordando o universo da poesia contemporânea
Fundação Municipal de Cultura/Divulgação

Coluna Literária estreia abordando o universo da poesia contemporânea

Aproveite o período de isolamento social para conhecer mais sobre o universo literário e se manter em dia com a leitura. A partir deste mês, o Portal Belo Horizonte recebe a Coluna Literária, uma iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Municipal de Cultura. A publicação trará indicação de obras literárias para estimular a leitura durante o isolamento social.

Apresentação

A ideia de criação da Coluna Literária surge da necessidade de reafirmar o compromisso da biblioteca com a valorização da literatura. A iniciativa pretende difundir o acervo das bibliotecas públicas da Fundação Municipal de Cultura, localizadas em todas as regionais de Belo Horizonte. É também uma proposta de giro pela cena literária e outras produções escritas.

A iniciativa envolve a colaboração dos profissionais que atuam nas bibliotecas: a Coluna Literária será criada a muitas mãos! A partir de escolhas temáticas variadas, a publicação deseja aproximar leitoras e leitores das bibliotecas, dos livros e da literatura.

Integra o projeto Promoção da Leitura, que promove continuamente ações de incentivo à leitura para públicos de todas as idades nas bibliotecas públicas da Cultura – rodas e clubes de leitura, saraus, contação de histórias, oficinas literárias, encontro com autoras e autores. Atualmente, a rede é composta por 22 bibliotecas,  geridas pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Municipal de Cultura.

Por fim, a Coluna Literária é, sobretudo, um convite para conhecer os livros, as narrativas, ilustrações, escritoras e escritores e participar da programação cultural das bibliotecas. Esperamos vocês em breve!

Por que poesia contemporânea?

Na edição de estreia, o destaque é para a poesia contemporânea. Apresentamos um recorte da produção literária de três poetas mineiras: Nívea Sabino, Flávia Péret e Norma de Souza Lopes.

A produção de poesia hoje é frenética e pulverizada, apontando a impossibilidade de conhecer toda a riqueza desse gênero literário em nosso tempo. A palavra poética é entrelaçada nas teias de redes virtuais – por meio de perfis das/dos poetas em Facebook, Instagram, Blogs, até Twitter, e tantos outros meios digitais –  e presenciais, com a profusão de saraus, slams, performances poéticas multimídia e com as conversas diárias, em que os versos são compartilhados, quase de forma clandestina, pois refletem nossas angústias mais urgentes, bem como nossas paixões...

A produção poética contemporânea está também – como esperado e desejado – nos livros, fanzines, lambes, plaquetes, entre outros suportes, em publicações de todos os tipos e para todos os gostos. Neste âmbito do mercado editorial, consiste num exercício criativo e frutífero olhar com mais apuro para o que apresentam as editoras independentes, com publicações que muitas vezes reúnem tratamento gráfico que se vale de elementos visuais, os quais acrescentam ao texto poético, ou mesmo dão maior visibilidade a ele.

Vemos cada vez mais interesse por esse gênero literário, em diferentes gerações, que acompanham as publicações com avidez.

Esta coluna poderia tratar em várias edições da “poesia contemporânea”, e nem de perto esgotá-la, visto que há uma efervescência na produção. Na sociedade patriarcal em que nós, mulheres, sobrevivemos, é simbólico iniciar com três escritoras. Esperamos que aproveitem e procurem mais sobre o trabalho dessas autoras.

RESENHAS

Luta e afeto em pura poesiaNívea Sabino
 

Há poemas que nos tomam pela mão e outros que nos estapeiam. E quando um poema faz as duas coisas ao mesmo tempo? Interiorana, de Nívea Sabino, é assim. Livro de estreia de Nívea e recentemente reeditado, recolhe em si poemas de protesto, lirismo e uma certa dose de homenagem à sua terra natal, Nova Lima, sem esquecer BH, que a acolheu e acolhe.

Guerreira das palavras, participante de slams, Nívea mostra sua agilidade com uma linguagem afiada para o combate. Porém, ela não se esquece do amor e de suas belezas.

Há poemas que cantam os lugares que Nívea elege como seus. Não se esquece da denúncia ao falar da exploração do ouro em Nova Lima, bem como de outras explorações, ainda muito patentes. Ela também canta o bar e seu lugar em BH, em um magnífico jogo de palavras.

Não posso deixar de falar das ilustrações de Raíssa Agrissano que compõem o livro, dialogando de forma simbiótica com os poemas, em uma composição que transpõe os limites das Artes e permitem uma rica experiência sinestésica.

Atravessar Interiorana é vivenciar uma Minas por tantos silenciada, repleta de lutas e desafios. Sobretudo, belezas.

Samuel Medina 

Ficha Técnica: Interiorana, de Nívea Sabino. ISBN-13: 9788554095703. ISBN-10: 8554095707. Ano: 2018. Páginas: 140. Idioma: português. Editora: O Lutador

+    Link para o livro
Livro Interiorana

+    Saiba mais sobre a autora:
Site de Nívea Sabino
Literafro - Dados Biográficos de Nívea Sabino
Entrevista com Nívea Sabino para o Conversações 

 
Combustão de si

Flávia Peret

Mulher-Bomba, de Flávia Péret, é um livro de poesia que, felizmente, desorganiza a linguagem de um suposto retrato cotidiano. Com diversas associações inesperadas, inaugura imagens que remetem a um caleidoscópio, no qual a cada reflexo encontramos referências diferentes: poetas, artistas, títulos de filmes...

Um vocabulário próprio, em formato de lista, ecoa após a vertiginosa leitura: corpo, medo, cansaço, desejo, solidão, sonho, linguagem, tédio, coragem, picuinhas, guerra, carnaval, beijo, trapaça.

Com 28 poemas, número que remete (talvez em exercício irônico da autora) aos 28 dias do ciclo menstrual “regular” feminino, Mulher-Bomba narra a dissolução de um relacionamento, sem citar a palavra amor em momento algum, exceto na dedicatória. A linguagem como reconstrução da ruína, no entanto, mostra mais poemas metalinguísticos que de dor da ruptura. A casa, o casamento e a maternidade aparecem sem derramamentos, mas com lirismo, um livro feminista que o é sem bandeira em punho, nem por isso menos potente.

Ao pesquisar a imagem da capa do livro, símbolo oposto-complementar que a princípio me lembrava bomba, célula, seio, descobri que se trata de um quadro que integra a série The swan (O cisne), de Hilma af Klint*, mulher, artista não reconhecida pela obra, à época tão à frente de seu tempo.

A experiência de releitura é recomendada, pois desarma aos poucos as bombas que Flávia Péret deixa plantadas no terreno do trajeto poético tão bem construído: “No fim do dia, você volta para casa com um poema, única prova material dos acontecimentos.” (poema Ida e Volta)

* A artista sueca Hilma af Klint (1862–1944) foi reconhecida postumamente como pioneira da abstração.

Lídia Mendes


Ficha Técnica: Mulher-Bomba, de Flávia Péret. ISBN 978-85-7105-137-9. Ano: 2019. Páginas: 70. Idioma: português. Editora: Urutau

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Acesse o livro gratuitamente

+    Saiba mais informações sobre a autora
Flávia Péret - Medium
Blog Amarelando
Entrevista de Flávia Péret para  Estratégias Narrativas 
Entrevista Flávia Péret para Mulheres que Escrevem

Dica: No dia 13 de abril de 2020, Flávia foi responsável pelas postagens do perfil @pocalipopotese, que é um projeto de ocupação artística na plataforma Instagram, organizado por Gabriela Carvalho, em que diariamente um artista assume a gestão da página, dialogando com os tempos de isolamento social por meio dos seus processos de criação.

PERFIL

Uma poeta: Norma de Souza de Lopes

Norma de Souza Lopes
Norma é uma poeta que circula em vários dos espaços de poesia da cidade. Desde saraus na periferia, passando por Slams no centro da cidade, até apresentações formais em espaços culturais elitizados, Norma é trânsito, cotidiano e afirmação. E é impossível dissociar nela essas três características. Os poemas apontam para dentro dela mesma, mas sua força poética impede que sejam apenas reflexões ou lamentações pessoais. Ainda que fossem, seriam potentes, porém estão em constante movimento, partindo várias vezes do cotidiano e prosaico em direção a grandes reflexões sobre o lugar da mulher (o seu lugar de mulher) numa sociedade extremamente patriarcal e retrógrada, castradora de pulsões. Através de seus poemas podemos divisar uma mulher extremamente erótica, sábia e inquieta, falando de si para alcançar outras. Outras experiências, outras mulheres, outras formas dela mesma caminhar e construir um mundo menos masculino, menos violento e cheio de absurdos.

Ao contrário do lugar comum dos poetas reclusos e macambúzios, ela se expõe em seus poemas, sua imagem ferindo todo o tempo as noções do “eu lírico”, quando a identificamos, de carne e osso, dentro de seus livros e seus versos. É uma artista que se se construiu com a poesia falada, com a rua, trabalhando seus versos sempre junto de sua fala declamada, numa sinceridade que pode soar agressiva ou “de mau tom” para os que esperam e querem o distanciamento entre obra e artista. Do primeiro livro, “Borda”, enxergamos uma timidez e sabedoria de quem veio de lá, e só quem é de lá entende o que eu quero dizer com isso. Nesse livro, ela pede licença em voz baixa para em seguida dar um tiro, que nos acerta e (com certeza) nos mata com mais força se somos homens.

No segundo, “De mim ninguém sai com fome”, Norma está bem à vontade com seu lugar e voz poética, falando de um existir político e afetivo, sem deixar de lado as angústias existenciais presentes em Borda.

Seu jeito de entrar e sair de um mundo interno para nos comunicar as injustiças, ódios e resignações com a vida nos remete o tempo todo ao grunge, ao pop e com certeza ao rap, mesmo que seus versos não sejam, como várias de suas parceiras e amigas no ofício, ritmados e sincopados. Seus poemas carregam a liberdade que emana a grande loba e nos chamam para que sejamos possuídos e possamos possuí-los, sem que se ouça um gemido que não seja permitido.

Norma de Souza Lopes tem dois livros publicados pela editora Patuá, Borda (2014) e De mim, ninguém sai com fome (2017). Também escreve no blog “Norma Din”, no endereço: http://normadaeducacao.blogspot.com/ Muito do que está dito aqui pode ser visto quase ao vivo lá.


Rodrigo Teixeira



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Canal de Youtube de Norma de Souza Lopes 
Entrevista de Norma de Souza Lopes para Estrategias Narrativas