Memória persecutória, passado sem elaboração. A partir de uma garota que é acordada por fantasmas, “Nuvens de Chumbo”, espetáculo de formatura do curso matutino de Teatro do Cefart, o Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado, trata da persistência das histórias repressivas do período militar na vida coletiva do país.
A montagem é dirigida por Luiz Carlos Garrocho, conta com trilha sonora original de João Paulo Prazeres, executada ao vivo, e terá, ainda, quadrinhos de Hilton Rocha, projetados em cena. As apresentações ocorrem na Funarte MG, no centro de Belo Horizonte, dos dias 3 a 6 e 10 a 13 de julho, de quinta-feira a domingo das respectivas semanas, sempre às 19h. Os ingressos são gratuitos. As apresentações de domingo contarão com interpretação em Libras, ampliando o acesso ao público surdo. Sem reconstruções lineares, o espetáculo traz à tona histórias trágicas livremente inspiradas em pessoas que viveram no período de maior repressão da ditadura militar, de 1969 a 1974. Os fantasmas que tiram a garota do sono não sabem que morreram e revivem o drama de suas trajetórias. Uma professora universitária que entrou para a resistência; uma mãe que busca seu filho desaparecido, mas não consegue descobrir seu paradeiro; um comandante militar responsável pelo processo de vigilância em um quartel; um agente do Estado à frente de uma milícia; um bicheiro que financia e informa o regime em troca de autorização para exercer sua atividade ilegal.
São personagens fantasmagóricos interpretados pelos seis formandos do Cefart, que veem suas histórias se cruzarem, em uma montagem que não prioriza o texto, compondo a narrativa também através dos gestos dos atores, da música e dos quadrinhos projetados. “Nuvens de Chumbo” carrega várias características do Teatro Físico, tendência que tira a centralidade do texto na narrativa, transmitindo a mensagem do espetáculo também nos corpos dos artistas, nos elementos do espaço cênico e na música. A dramaturgia, construída com a participação dos estudantes, tem como princípio a colagem e a fragmentação, lembrando a arte feita nos anos 70, que tinha que fragmentar o conteúdo, para burlar a censura. O que não está explícito no texto aparece nos corpos; se os corpos também não transmitem, a mensagem está na trilha sonora; se em nenhum desses elementos a compreensão é possível, os quadrinhos projetados cumprem a função. Luiz Carlos Garrocho, diretor da peça, destaca que, além da fragmentação que descentraliza o texto, a montagem propõe a interpenetração dos elementos cênicos e dos corpos dos atores. “Essa é uma pesquisa à qual venho me dedicando há anos: um teatro que faz uma abordagem corporal da atuação. Nesse caso, de um lado, penso o performativo; de outro, o aspecto compositivo, da atenção à linguagem, pela qual uma imagem pode ressoar com a outra, sem se explicarem de modo direto. Busco uma dramaturgia de imagens entrelaçadas a sons e ações”, explica. O diretor exalta, ainda, a criação de um círculo de produção teatral encabeçado pelo Cefart. “Há mais de trinta anos, essa escola vem sendo um espaço de pesquisa e aprendizagem. Nesse espetáculo, a equipe técnica é formada, na sua maior parte, por ex-alunas e alunos, que são agora parceiras e parceiros”, afirma.
O elenco é formado por Fábio da Mata, Jeanne Angelino, Jesika Torres, Mateus Brant, Rosilene Barbosa e Vanessa Perroni. A iluminação é de Lucas Matias; preparação e criação vocal de Ana Hadad, trabalho técnico e criação corporal por Ivan Sodré e Sitaram Custódio. O figurino e cenário são assinados por Luiz Dias, com assistência de direção de Paulo Rocha. A peça “Nuvens de Chumbo” é uma das atrações do Festival Cefart, que chega para promover apresentações multiartísticas da nova geração de criadores. A programação, totalmente gratuita, atravessa os meses de junho a agosto em diversos espaços do Palácio das Artes e na Funarte apresentando, ao final deste semestre, o resultado de todo trabalho desenvolvido nos cursos de Artes Visuais, Dança, Música, Teatro e Tecnologia da Cena.