— Minha senhora, se Adão e Eva eram brancos, de onde vieram os negros?
É esta a pergunta que o protagonista de Monstera deliciosa faz a uma pastora, ao interromper seu culto, logo no começo do romance de estreia do cineasta e jornalista belorizontino Felipe Canêdo, pela editora Urutau. O nome do personagem? Barravento. Que signica palavra em ponto de bala, convite à dança, o toque de Xangô nos tambores de Candomblé, o estado de atordoamento que precede a tomada de um lho de santo por um orixá.
Escrito durante os meses mais duros da pandemia de coronavírus, o livro é um convite ao inusitado, ao improviso, ao vagar. Num tempo de muitas certezas, Barravento erra por Minas Gerais e pelo Brasil em busca de si mesmo, e muitas vezes se coloca na posição humilde da dúvida, na encruzilhada, em um caminho a ser descoberto. A fruta da Monstera deliciosa, também conhecida como Costela de Adão, pode demorar até um ano para amadurecer. É o tempo que leva o protagonista em sua jornada pelo Vale do Jequitinhonha, sertão da Bahia e até ao Piauí.
Com um texto leve e bem humorado, em tom de literatura pop, o livro traz referências mil a escritores e músicos e cada um dos doze capítulos que compõem a obra é aberto com um verso de autores muito diversos como: Cátia de França, Ferreira Gullar, Ana Martins Marques, Torquato Neto, Matilde Campilho, Carlos Drummond de Andrade, Miró da Muribeca, Ricardo Aleixo, Dorival Caymmi, Paulo Leminski, Cacaso e Hilda Hilst. O baú de referências não para por aí, o autor cita também O encontro marcado, de Fernando Sabino, Mar Morto e Jubiabá, de Jorge Amado, O lobo da estepe, de Hermann Hesse, e Os supridores, de José Falero.
Talvez a Monstera deliciosa de Barravento seja a estrada, talvez seja uma substância, um sentimento, um desbaratamento, um questionar a valores que, por nos parecerem naturais, muitas vezes não são questionados. A sexualidade, as drogas, as religiões e o capitalismo são tratados com curiosidade e simplicidade, assim como pululam organicamente do texto passagens curiosas, como
o momento em que o protagonista conversa com um peixe sobre o existencialismo de Albert Camus, quando se comunica com uma mosca em um restaurante do interior, ou quando se sente uma porta giratória.
Assim, Monstera se distancia de respostas fáceis e busca perguntas difíceis, sem o caminho cômodo de estereótipos unidimensionais. O tempo é a matéria de Barravento, que contrapõe cronos e kairós, o tempo do cotidiano, do trabalho, das rotinas, ao tempo da eternidade, dos momentos decisivos, da memória, dos encontros.Um tracante chamado Sócrates convida Barravento a conhecer a festa da Boa Morte emCachoeira, já no Mercado Novo de Diamantina um músico chamado Platão o explica a teoria deque o Adão bíblico seria brasileiro, em Paulo Afonso um senhor turrão o leva a um baile de carnavalno teatro mágico.
O evento ainda terá shows de Juliano Antunes e Gabriel Ladeia, Felipe Canêdo e Thiago Fontes, e palco aberto para música e poesia.