Um dos mais democráticos balcões do centro da cidade. Uma história sobre a comida mais arretada do trabalhador de Belo Horizonte: caldo de mocotó e cerveja Caracu, isso é que é clássico!
Poucos bares refletem a alma do centro desta jovem cidade como o bom e velho Nonô, o Rei do Mocotó. Radicalmente dinâmico e democrático, o estabelecimento atende juízes e porteiros, malandros e policiais, pedintes e turistas, todos bebendo e comendo em pé, já que o clássico balcão do recinto nunca teve a companhia de bancos de qualquer tipo, privilegiando a rotação de clientes, como pede a dinâmica do centro da cidade. A experiência aqui é entrar por uma das duas portas do pequeno local (uma na Rua Tupis, outra na Avenida Amazonas) e pedir o clássico da casa, que se tornou um clássico da cidade: o caldo de mocotó, feito ali mesmo há décadas. A tradição pede ainda o acompanhamento de uma lata de Caracu, cerveja escura conhecida por seu sabor encorpado e sua energia, possui aroma de malte torrado, que faz lembrar café. Esse combo tornou-se um clássico da cultura alimentar da cidade, pela substância e energia que provoca, ideal para o trabalhador esforçado. Com tempero familiar guardado a sete chaves, o bar oferece o exemplo da mais icônica refeição para os trabalhadores do centro de muitas gerações.
Fundado em 1964, inicialmente na região do Barreiro, o bar mudou-se para seu atual endereço, no centro da cidade, quatro anos depois, em 68. Ainda no Barreiro, todavia, a sua vocação já era clara: atender os trabalhadores que passavam próximos à linha do trem. Do primeiro endereço na Afonso Vaz de Melo, mudou-se para a Visconde de Ibituruna, onde passou a atender os operários de fábricas da região. Tiveram ainda uma cantina no Clube Recreativo no Tirol, no parque Recreio da Colina, concentrando mais tarde toda a operação no ponto do Centro.
O ambiente não mudou muito. Muito bem cuidado, porém bastante simples, o único artigo de decoração que se destaca é a foto do patriarca e fundador, ex-taxista e padeiro, Seu Raimundo Assis Correa. Ele e a esposa, Alaydes Conceição Correa, vieram de Raposos e juntos tiveram dez filhos, muitos dos quais ajudaram no bar que sustentou a família desde sua fundação. Falecido por diabetes em 1973, aos 51 anos, foi Dona Alaydes (que partiu recentemente, aos 97 anos) e os filhos que mantiveram o seu legado: caldo, estufa, cachaça e cerveja gelada! No epicentro da cidade, por seis décadas em uma das esquinas mais movimentadas da capital dos bares, essa família e seus fiéis funcionários e clientes viram as transformações radicais da cidade: rios sendo canalizados, prédios sendo demolidos e reerguidos, obras públicas e privadas sem fim. Poucas coisas não mudaram, entre elas o serviço 24 horas que o Nonô desempenha de segunda a sábado e o amor do público pelo famoso caldo com cerveja preta.
Quem mais teve tempo de balcão depois da matriarca foi Décio dos Santos, atual administrador do negócio da família. Ele conta que o bar não é um entrelaçado de gerações só para sua quem o construiu: “tem muitos clientes antigos… Tem caso aqui de pai que trazia o filho, sentava ele no balcão, e agora o menino já é adulto e traz o filho dele, neto do primeiro”. Décio dos Santos começou a ajudar o pai aos 11 anos e até hoje está na ativa. O tempero usado tanto no caldo de mocotó quanto na língua de boi e outros petiscos é um segredo de família, guardado a sete chaves.
Hoje a casa conta com um galpão no bairro Santo André que funciona como cozinha industrial e outra casa no bairro Eldorado que tem atendimento sentado e algumas variações no cardápio. Renata, Deni e Douglas são alguns sobrinhos de Décio e netos de Raimundo e Alaydes que já começaram a operar o negócio da família, iniciando a terceira geração de administradores.
Se quiser conhecer esse clássico, vá em qualquer horário entre as seis da manhã de segunda-feira e a meia-noite de sábado. Um dos balcões mais democráticos da cidade te espera — e certamente o melhor caldo de mocotó que se cozinha por essas bandas.
CONHEÇA TAMBÉM