Consagrado como o bar mais antigo da cidade, o local centenário é Patrimônio Histórico e Cultural de Belo Horizonte. Antiga venda de artigos para pescaria, o Bar do Orlando se tornou um ponto de parada obrigatório para moradores e turistas apaixonados pela boemia.
Em frente a uma praça e na esquina de uma rua sem saída no charmoso bairro de Santa Tereza, o Bar do Orlando se destaca como um ícone de resistência cultural e histórica. Fundado em 1919, o bar centenário é considerado o mais antigo da capital dos bares ainda em funcionamento. Inicialmente batizado de “Bar dos Pescadores”, o estabelecimento tem suas raízes profundamente ligadas ao antigo Rio Arrudas, que corria pela região, e era o ponto de encontro de pescadores que, além de comprar anzóis e varas ali, voltavam ao local para degustar um peixe frito recém-pescado, acompanhado de uma cachaça.
Com o tempo, a pesca foi sendo abandonada, especialmente após a urbanização, poluição e canalização do rio. Mas o bar resistiu e se adaptou, mantendo seu espírito de ponto de encontro da comunidade local. Hoje, o Bar do Orlando é um Patrimônio Histórico e Cultural de Belo Horizonte, não apenas por sua longevidade, mas pela forma como continua sendo um espaço de convivência que mistura a tradição com as mudanças que a cidade e o bairro experimentaram.
Orlando, o atual dono, cresceu nesse ambiente. Em 1980, ele assumiu o bar que pertencia a seu tio Pedro desde 1970. Sob a gestão de Orlando, o “Bar dos Pescadores” passou a ser conhecido como “Bar do Orlando”, mas sem jamais perder a essência que o tornava especial: “aqui, a clientela é diversa. Existe tanto pra um advogado quanto pra um pedreiro, que tão ali juntos dentro do balcão, tudo a mesma coisa”, explica Orlando, destacando o caráter inclusivo e democrático do bar.
A tradição está em cada detalhe: das prateleiras que ainda mantêm artigos diversos, como papel higiênico e cachaça, à famosa estufa, que guarda os segredos do “Torresmão”, prato mais famoso da casa. O torresmo de barriga, crocante e suculento, é acompanhado de clássicos como mandioca frita e linguiça, compondo o Trio da Roça, uma das iguarias mais pedidas. Esse prato, como muitos outros, foi aprimorado ao longo das gerações, sempre respeitando o tempero original que Orlando herdou de sua família: “o tempero é o mesmo até hoje, e fui eu que herdei essa responsabilidade”.
Sob a sombra de uma árvore plantada pelo próprio Orlando, as mesas na calçada são ocupadas por frequentadores antigos e novos, que buscam ali uma conexão com o passado: “sempre tem gente nova que descobre o lugar. Fala assim: ‘nó, tem um lugarzinho massa ali’. Às vezes não conhecia, mas aprende, vira tendência”, diz Orlando sobre a constante renovação de público, especialmente com a chegada de novos moradores e turistas que exploram o tradicional bairro de Santa Tereza, famoso por sua boemia.
A modernização do bar veio com a pandemia. Durante o período de isolamento social, Orlando e sua equipe, incluindo sua esposa Maria Luisa, implementaram um sistema de gestão para melhor informatizar o controle de estoque e otimizar o atendimento, algo que não existia antes. A pandemia também marcou a transição de Orlando para uma fase mais contemplativa de sua vida. Ele, que há 44 anos esteve à frente do balcão, aos poucos passou a responsabilidade para seu filho, Orlandinho, garantindo que o legado familiar permaneça vivo: “foi difícil desapegar, mas com a pandemia a gente percebeu que era hora de passar o bastão. Agora meu pai só vem aqui para bater papo, tomar uma cerveja e relembrar os velhos tempos”, conta Orlandinho.
Outro aspecto marcante da história do Bar do Orlando são os eventos culturais. Nos anos anteriores à pandemia, o bar acolhia o bloco Pescadores, formado por amigos e clientes, que tomava conta da rua durante o carnaval. Embora a festa tenha sido suspensa por questões de logística e controle de público, o bloco permanece vivo na memória de muitos, que continuam a associar o bar com ele. Além disso, o bar realiza anualmente a tradicional Festa Junina e celebra o aniversário de sua fundação (em novembro), sempre atraindo centenas de pessoas.
O bairro de Santa Tereza, famoso por abrigar figuras importantes da música mineira, como os membros do Clube da Esquina, também faz parte da identidade do bar. Não é incomum encontrar músicos e artistas entre os frequentadores, que veem no local um refúgio da agitação da metrópole. O som que ecoa do Bar do Orlando em dias de eventos, geralmente às sextas e aos domingos, é de samba e MPB, ritmos que reforçam a atmosfera de descontração e alegria: “sempre que tem samba, o bar enche. É muito bom ver o pessoal curtindo e se divertindo aqui, respeitando o espírito do lugar”, afirma Orlando.
Ao longo dos seus mais de 100 anos, o Bar do Orlando é um símbolo da preservação de uma Belo Horizonte que, mesmo em meio às mudanças urbanas e à modernização, ainda encontra no bairro de Santa Tereza um resquício de sua alma boêmia, bucólica e acolhedora. Um lugar onde o tempo parece passar mais devagar e onde o novo e o velho convivem em harmonia, sob a crescente sombra da árvore que Orlando plantou e cultivou com as próprias mãos.
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